Capítulo 3

Os dois amigos corriam contra o tempo! Não faziam a mínima idéia de onde encontrar alguma ajuda...Pior, não tinham a mínima idéia de como explicar a alguém tudo o que havia acontecido na noite anterior.
As ruas de Boston estavam completamente vazias, a não ser por alguns pássaros pequenos que voavam por ali. Micka soltara o cabelo agora, suas pontas se ondularam novamente, deixando mais fácil à percepção do verde.
A dupla correu por duas quadras, com o desespero estampado em seus rostos. A praia também se encontrava abandonada. Não havia ninguém... Absolutamente ninguém.
-Não é possível... – o vento roçava contra os dois rostos jovens, Micka olhava várias vezes ao seu redor.
-Olhe! – Tie apontava para uma das casas praianas do local – Tem alguém ali...
Tie tinha razão. O movimento ali presente não parecia normal, havia um automóvel em frente à casa, estava desligado, e o portão da casa encontrava-se totalmente aberto. Havia um casal ali, e um policial. A mulher aparentava chorar, e o homem ao seu lado, a abraçava intensamente.
-É a casa de Heath! – Micka começou a correr, em direção à moradia, seguida por Tie, que vinha logo atrás.
O policial tentou afastá-los do local, mas a mulher que chorava, Mãe de Heath (agora estavam perto o suficiente para reconhecê-la), permitiu que chegassem perto.
-Sra. Monique...o que houve? Está tudo bem? – Micka não gostava nem um pouco de Heath, por ter afastado sua amiga de todos que gostavam dela de verdade, mas também não queria que algo de ruim acontecesse a ele.
-Meu filho...- A mulher engasgou com seu próprio choro, sua voz falhou. – Heath...
-Acalme-se...- Micka colocava uma de suas mãos em seu ombro direito – Heath está bem? Onde ele está? Podemos vê-lo?
-Heath está desaparecido-Anunciou o Homem, após secar suas lágrimas e voltar a abraçar a mulher. Enquanto falavam, outros dois carros policiais dobravam a esquina e paravam, em fileira, atrás do automóvel ali já presente.
- Desaparecido? – Tie e Micka se entreolham por um segundo.
-Ele disse... – Monique volta a chorar – estar indo para algum lugar junto a Paula...
-ELE O QUE? – Micka olha o policial retirar alguns cartões de “Desaparecido” do carro. – Eu...eu... sinto muito...temos que ir... – Ela recua dois passos e corre para o outro lado da praia.
-Paula apareceu em sua casa nessa madrugada , Micka, lembra-se? – Tie pergunta , enquanto corre ao lado de Mickaella.
-Se alguma coisa aconteceu com ela... é nossa a culpa, apenas nossa!
-Não fizemos nada ,Micka...
-Exatamente! Não deixamos ela entrar em casa... Estava tarde, deveríamos ter deixado!
Mesmo não sendo a amiga que qualquer um tenha pedido a Deus, Paula continuava sendo companheira deles. Jamais os deixaria na mão em momento algum, não importa o que tivesse de perder com isso.
Um terremoto de remorso atingiu o coração de Micka...
Não consegue acreditar que, durante todos esses anos, tem sido tão dura com a menina. Se ela pudesse voltar no tempo...voltar...Voltar...
Paula jamais tentou reatar com Riley, mesmo o amando...Mesmo sab...
Pare, Micka! Pare de se culpar por tudo! , pensava. Seus problemas não são poucos agora, pense neles...apenas neles...E em Paula...
Era inútil,A parte influente de sua consciência lhe culpava mais a cada segundo.
* * *
Inna fechara as janelas e portas da casa. Acendeu um dos incensos que a mãe de Micka costumava guardar na gaveta de cima do armário da cozinha. Colocou-o perto das escadas. Correu para o quarto, onde estavam Riley e May.
-Me escutem agora! – Inna fecha a porta do cômodo, e se vira em direção à cama, onde os dois se encontravam – Mickaella me pediu para não contar nada, mas também fazem parte disso, acho que merecem saber no que nos envolvemos.
-Do que está falando? – Riley se sente desconfortável, seu estômago começa a apresentar leves dores, por enquanto, suportáveis.
-É sobre o que houve, não é? – O desespero de May começava a retornar, começava a perder o fôlego. – Sobre o sótão? É,não é?
Inna balança a cabeça, em afirmativa.
* * *
Tie e Micka param a corrida, encontravam-se em frente à porta de Paula.
Mickaella bate. Nenhuma resposta. Ela tenta novamente, alguém responde!
A porta se abre lentamente, revelando um jovem corpo vestido com uma camisola roxa e pantufas de coelhinhos rosa.
-Paula! – Micka pula nos braços da amiga, que aceita o abraço.
-Bom dia pra você também... – Os loiros cabelos de Paula estavam completamente bagunçados. Acabara de acordar. - O que houve? Se arrependeu de ter feito me expulsarem de sua casa?
-Não...Perdoe-me,Perdoe-me...por tudo... – Micka não desistia de continuar o abraço – Eu sinto muito! Por Riley, pela escola, por ontem... Tudo!
-Riley? Ok, ok... – Paula desfez a união corporal. – Agora me assustou! Desembucha, vai!
-Tive tanto medo... – Micka abraçou-a novamente – Mas você está bem! Graças a Deus...
-Heath desapareceu... – Disse Tie, enquanto Paula era sufocada emocionalmente por Micka. – Pensamos que poderia ter acontecido algo com você também...
A expressão de Paula muda... Seu sorriso desfez-se, e seus olhos se encheram de água.
-O que? – A jovem desfez o abraço outra vez, olhando fixamente para Tie.
-Pensamos que soubesse... – Micka recua dois passos, para ao lado de seu amigo.
-Não... Não é possível... – Paula não se agüentou , suas lágrimas soltaram-se descontrolavelmente, uma atrás da outra, e sua voz falhou.
-A sra. Monique disse que tinham saído juntos ontem... – Micka e Tie se entreolharam.
-Sim , eu o chamei para sua casa, caso eu fosse... Mas ele disse estar ocupado...pensei que estivesse na lanchonete, trabalhando...
Paula entrou , sem esperar uma resposta, fechou a porta, e se encolheu no sofá, ainda chorando. Isto não pode estar acontecendo, pensou. Ela olha para o telefone, não resiste!
Ela se senta, pega o aparelho sem fio, e disca o número do celular de Heath.
“Este número de telefone não existe, por favor, consulte a lista telefônica e tente novamente...”
-NÃO! – Ela grita, jogando o aparelho contra a parede mais próxima.
***
-Paula! – Micka não se sentia bem. Se antes, que o sentimento de culpa e um forte remorso já haviam tomado a jovem, imagine agora depois de dar uma notícia dessa logo pela manhã.
-Venha... – Tie sugeriu, puxando-a pelo braço e seguindo em direção a rua. – Ela ficará bem, Heath não pode ficar sumido para sempre.
Mickaella assentiu, mesmo sentindo um leve sopro em sua mente dizer “Não acredite tanto nisso!”. Mas, afinal, por onde andava Heath? Será possível que, enquanto a casa da jovem era invadida pelas sombras, esta mesma energia estivesse aprontando algo com o rapaz?
-Percebeu que tudo isto começou no mesmo dia em que aquele estranho chegou à escola? – Perguntou Tie, quebrando totalmente a linha de raciocínio da garota.
Micka curvou as sobrancelhas, não respondendo seu amigo, ela voltou a pensar.
Era verdade! Aquele novato parecia bem interessado em May, que, aliás, parecia nem notar a presença dele no local... Assim como o resto dos estudantes naquele laboratório.
E, afinal, quem começa em uma escola nova na sexta-feira?
-Tie... – Micka chamou, embora parecesse mais com um sussurro, fazendo seu amigo parar e olha-la. – Antes de eu chegar à sala, o professor apresentou o novato para a turma?
Por favor, diga sim!
-Não.
Tudo bem, isto ainda tem uma explicação! Ora, hoje em dia os professores andam tão ocupados e esquecidos, não é?
Mais uma vez, Micka ouve uma voz soprar em seus ouvidos: “Não confie tanto assim nas pessoas...”.
A jovem dá de ombros, e continua sua caminhada.
-Não é estranho? – Pergunta – Já são quase 10 da manhã... E nem sinal de vida alguma aqui...
-Bem, todos devem ter ouvido falar sobre o desaparecimento... Devem estar com medo!
Medo... Estavam com medo, ela estava com medo, e provavelmente Tie partilhava esse sentimento.
Mas e Inna, Riley, e May? Estariam também com tamanho peso no coração? Como eles estariam exatamente agora?
* * *
May finalmente cochilava um pouco, após uma tensa noite cuja sua única preocupação seria dormir e nunca mais acordar. Desta vez era ela quem sonhava com algo... Precisava despertar... O tempo corria depressa no mundo real... Mas ela sentia que deveria ficar, não lutaria para deixar o sonho...

May estava em um antigo Hall, de uma imensa e velha mansão que era cercada por árvores mortas e secas. Olhando por uma das janelas da entrada, percebia-se o quanto dominava a neblina naquele local.
A fumaça branca e sedenta rasgava-se ao passar pelos inúmeros galhos sem vida do local. Era quase impossível se ver algo depois da primeira fileira de árvores.
May voltou seu olhar para a grande e vazia Hall. A sala era cortada por uma larga escada e ferro enferrujado, que resultava em uma abertura propositalmente preparada (deveria haver uma porta ali, há alguns anos atrás).
Prestando um pouco mais de atenção no local, a jovem pôde perceber mais duas aberturas,uma em cada lado da Hall, resultando em cômodos distintos.
May usava um longo e liso vestido de seda vermelho, com mangas que desciam até seus pulsos, e limitava até a ponta de seus pés. Seu liso cabelo negro, agora se encontrava com lindos cachos manualmente terminados.
Algo a fez subir até o segundo andar. A tintura descascada e alguns tijolos expostos do local teriam afastado qualquer um da casa. Mas, pela filosofia de May, era preferível esperar um milagre dentro de uma mansão (mesmo que sentisse que apenas um sopro derrubaria a construção inteira) , a perambular feito um fantasma por uma vegetação morta e solitária.
De qualquer forma, May não sentia tanto medo em estar ali... Isto por que ela já estivera ali! Não se lembrava de quando, nem com quem... Mas tinha quase certeza disto!
Finalmente passando pela abertura na parede, e por um extenso e vazio corredor, May resultou em um pequeno e antigo quarto. Não havia muita coisa nele: Uma cama de solteiro feita com madeira rústica, encostada na parede direita; Uma pequena e quadrada escrivaninha, também de madeira, no outro lado do quarto, e uma janela oval centralizada na parede oposta à porta.
May se aproximou da escrivaninha, com uma crescente e misteriosa atração pelo pequeno livro de couro preto largado no canto da mesa.
O livro era todo negro, a não ser por uma branca lua crescente localizada no canto esquerdo inferior da capa.
May resolveu abri-lo em uma página qualquer.

“Página 85:
Querido e companheiro diário...
Está cada vez mais difícil sobreviver à pressão do dia a dia! Estamos sendo perseguidos cada vez mais... A igreja nos odeia... Querem nos matar.
Se me pegarem,irão me incendiar... Não terão piedade nenhuma comigo! Preciso fugir agora mesmo, preciso me esconder... Já descobriram onde moro...Planejam me atacar,querem tirar o meu sangue...
Por outro lado, os encarnados também me perseguem, não posso deixar que a peguem... Ela serviria como sacrifício... Seria uma oferenda... ELES A QUEREM, e farão de tudo para consegui-la! Não sou forte o suficiente para impedir, preciso de ajuda o mais rápido possível.
Eu sei de um feitiço protetor, mas não sei se é potente o suficiente para durar muito tempo...
Os únicos itens usados na poção são girassóis amarelos e rosas vermelhas, e, é claro, cera derretida. Mas é importante que a cera seja de alguma vela acesa, e que seu fogo não se apague até o fim do ritual.
Precisasse despejar inúmeras pétalas das flores comentadas antes em uma grande bacia ou vaso (de qualquer material,desde que não seja inflável), depois escreva em pedaços de papel os nomes das pessoas que precisam de proteção superior, jogue os nomes junto às pétalas, e derrame um pouco de cera em cada um deles, cuidadosamente para não pingar nas pétalas (PRINCIPALMENTE NAS VERMELHAS) . E, para finalizar, jogue e espalhe fogo por todo o recipiente.
Pronto, o feitiço está pronto e a proteção garantida. Não sei ao certo o quanto dura, mas é bem eficiente.
Lembrar: Não funciona com Encarnados, eles quebram o feitiço.
Bem, mas eu não estou levando fé. Preciso de algo que me ajude a deter os Encarnados e fugir da igreja ao mesmo tempo. Estão se aproximando...E, para piorar, alguém enviou sombras para me pegarem... Estou em uma encruzilhada! CERCADA!
Preciso ir, alguém entrou no terreno...sinto auras frias cercando a mansão... São eles...os Encarnados... Preciso me esconder... Espero um dia poder conversar novamente com você, querido e único amigo... Sinto em dizer...
ADEUS...
Obs.: Quem conseguir ler isto, obviamente é um Crommwell legítimo! Provavelmente este é o fim para mim... Mas você,seja quem for,caro amigo,ainda pode se salvar! Ainda DEVE se salvar... Se esconda, eles te seguirão, e você deve estar preparado (a)! Boa sorte...
Madelynne R. Crommwell – A bruxa das flores.”

May estava paralisada. Quem era essa Madelynne? Bem, pelo que sabia, era sua parente...E bruxa... Mas, de que época? Pela sua escrita, não devia fazer muito tempo desde que escrevera pela última vez naquele diário.
E , aliás, quem eram...ou são... Os ‘Encarnados’? E quem exatamente era essa pessoa que eles não poderiam ter? Essa pessoa que a Cromwell do passado parecia proteger mais do que a própria vida?
Algo roçou as pernas da jovem. Era algo gelado...e parecia não ter forma própria...
May olha rapidamente para seus pés, e um grito rouco se solta de sua garganta. Era um tipo de fumaça, negra, que parecia ter vida própria, contornando as pernas da jovem em espiral, como um pequeno ciclone que estendia de seus pés até sua cintura...
Aquilo pretendia tomá-la... Ia subindo rapidamente pela sua barriga, quase encontrando seu pescoço.
As sombras, algo gritou em seus ouvidos.
May sentia seu vestido sendo corroído aos poucos, era incrível como as sombras destruíam algo tão facilmente.
-Socorro! – Ela gritava, embora soubesse que ninguém a escutaria, por mais que ela berrasse.
Da próxima vez eu saio perambulando feito fantasma, pensou.
Conforme a fumaça negra se espalhava pelo pequeno quarto, May ouvia vozes distintas com mais freqüência. “Socorro...”, “Se afastem de meus filhos...” , “Por favor, parem...” . Isso era angustiante! May quase se esqueceu das sombras por um segundo.
Estas vozes...estas sofridas vozes... Nem dá para imaginar o quanto sofreram antes de morrer. Alguém os torturou demais. Tamanha tortura que não permitiu a esses humildes fazer a travessia. Simplesmente não aceitaram a morte, ficaram presos aqui...
Lágrimas puras e cristalinas escorreram pelo rosto de May.
-Eu não quero mais ouvi-los! – Ela gritou. – Eu não quero sentir mais sua dor! Não quero sentir essa agonia!
Sem perceber, ela era a torturada agora. O quarto a sua frente sumira. Tudo o que podia ver era as sombras a prendendo, como uma lagarta dentro de um casulo.
Gritos.Choro.Gritos. Era tudo o que se ouvia.
-Pare! – Ela se desesperava. – Já chega, eu não quero mais isso! CHEGA!

May se levantara rapidamente da larga cama do cômodo, sentando-se. Ofegante. O suor escorria por todo o seu corpo. Riley e Inna estavam espantados, observando-a chorar silenciosamente.
-Hei... – Sussurrou Inna, sentando-se ao seu lado na cama, e segurando uma de suas mãos em seguida. – Estamos com você nessa... Não se preocupe... Pode nos contar o que viu em seu sonho... Guardar ‘seja lá o quê’ não vai te ajudar em nada...
-Foi horrível! – May soluçava, se encolhendo em um dos confortantes abraços típicos de Inna. – Eu não quero mais fazer parte disso!
Riley e Inna se entreolham, compreensíveis.
* * *
Paula continuava encolhida do enorme sofá branco, observando o que sobrou do telefone que arremessara contra a parede alguns minutos atrás,chorando desesperadamente.
Por um instante, um frio sobrenatural percorre a sala , provocando um forte e demorado arrepio na moça.
A campainha toca.
-Mas que droga! – Paula resmunga, levantando-se e arremessando a fofa almofada em formato de coração na mesma direção do telefone.
Paula cambaleou até a porta. Ao abrir, um grito saltou direto do seu espírito.
-Me perdoe por isso, Paulinha... – Heath segurava com força a gola da camisa da garota. – Estou seguindo ordens!
-Me solte! – Paula ofegava, era a primeira vez que sentia medo em estar perto de seu namorado. – Volte para casa, seus pais estão preocupados!
- Me perdoe...
Heath arremessa a jovem contra o chão, provocando um desmaio e uma pequena rachadura no piso. Uma poça de sangue formou-se logo a seguir.
* * *

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