Cavalos Alados - Jorge Castro

Senhor... Porque não fazes de minha vida um sonho?
Diga-me, ó pai, por que fizestes tudo tão real?
Porque não me crias um lugar que puxe meu sorriso tanto quanto a minha mente?
Caso não tenhas percebido, aspiro por magia, cada dia mais.
Vivo apenas pelo surreal, o impossível.
E, no entanto, vejo-me contentando-me com uma máquina cinzenta.
Um ser robótico que, incrivelmente, fornece-me ar...
Seu ar sem cor e sem voz, que tenta me manipular assim...
Se me tiras a magia, ó pai, tira-me mais que a vida.
Assim, sem escudos reluzentes, sinto-me mais que vulnerável.
Sem minha humilde rocha d’água, sou incapacitado de guerrear.
Guerrear contra a monotonia que se alastra com tentáculos nas sombras.
Guerrear pela luz do cetro que flutua dançante sobre a floresta esquecida.
E, ainda assim, percebo que me foi tirada a espada,
Roubada, dos trovões, a adaga. E levada, do mundo, a mágica.
Reparo, então, no pequeno canto cinza que luto para que se vá.
Mas, como o resto da tempestade, o pequeno insiste em ficar.
E, sem meu cetro ou a pedra d’água, não posso sequer tentar.
Senhor, ainda assim, te suplico...
Não tire a mágica que sinto, ou sei que não vou mais voltar.
Devolva-me o escudo polido, eu suplico, que com o cetro eu ei de usar.
Purifique a espada cansada, pai, antes de o cetro me tirar...
E me faça uma nova pedra, senhor, que a antiga sem mágica está.

Lua escura - Parte 4

Meu estômago se remexia de tempos em tempos, ameaçando me devolver meu almoço daquele mesmo dia. Se eu pudesse, voltaria no tempo. Para, exatamente, três semanas atrás, e então teria ignorado a minha maldita vontade de jogar com os espíritos.
Sinto-me tão idiota... Sei que, segundo a lenda, tudo isso estava prescrito para acontecer, mas sei também que aquele jogo piorou muito a história para o nosso lado. Tudo seria mais fácil... Ainda teríamos alma. Não essa que adquire a forma de um animal qualquer e possui uma cor própria, mas aquela espécie de luz que cerca nossa matéria, nosso corpo.
Mas eu tinha mesmo que estragar tudo... É tudo culpa minha... Tudo isso. E agora eu pagaria cruelmente pelo estrago que fiz.

------- Inna:

— Vamos, rápido! — gemeu Mickaella, enquanto arrastávamos uma segunda estante para bloquear a porta. Após cinco minutos de tensão e suor, conseguimos arrastá-la, assim como a primeira.
— Deve haver uma porta dos fundos. —Sugeri, ouvindo mais alguns ruídos provocados pela serra elétrica que a mulher de cabelos loiros e olho cinza-claro portava do lado de fora da construção. —O que faremos? Se eu tentar falar com Tie mais uma vez, vou desmaiar. E então será você tentando fugir e me carregar.
— Precisamos apenas de uma distração... Algo que a deixa ocupada enquanto pensamos em um jeito de fugir. — Outra vez o som encheu o ambiente, e as duas estantes de madeira balançaram, juntamente com a porta de aço. — Graças a Deus decidiram fazer uma loja de cimento, e não com vidraças. — E então se ouviu um grito seguido por um choro, uma criança. Havia uma criança lá fora, e não deveria ter mais de cinco anos.
Eu e Micka nos encaramos, completamente assustadas. Não poderíamos deixar que uma tão inocente alma morresse por algo que não merecia. Por algo que não foi ele quem provocou. Assim que minha amiga de cabelos com pontas verdes começou a mover os lábios, eu já sabia exatamente o que ela diria:
—Vamos nos arriscar!
Sem perder tempo, arrastamos para o lado às duas estantes que nos serviram como proteção, e chutamos juntamente a porta dupla, saindo para um lugar repleto de tanques de gasolina e outras coisas explosivas. Mas, curiosamente, não havia ninguém lá.
A noite estava mais uma vez em completo silêncio. Alguns grilos cantavam aqui e ali, provavelmente nos arbustos que decoravam a cidade. Observei a lua, e depois as estrelas. E então algo que quase me matou de susto: De cima do telhado da loja de onde havíamos acabado de sair, uma mulher com uma serra elétrica carregava, pelo pescoço, um menininho de cabelos ruivos e roupas de marca. O garoto estava desmaiado, mas não morto, e a estranha moça estava prestes a parti-lo em dois. Ela aproximou a arma do corpo do garoto, quase encostando no minúsculo corpo, o que já pareceu lhe desconfortar mesmo estando inconsciente.
—NÃO! — Gritei, sem conseguir conter minha fúria. Para mim, o mundo vibrava agora, como num terremoto, mas eu sabia que isso era puro efeito da raiva em excesso. Minhas palavras ecoaram noite afora, chamando atenção da materializada em cima da loja, que agora ameaçava jogar o menino daquela altura. — DEIXE-O EM PAZ, É AMIM QUE VOCÊ QUER SUA MALDITA! VENHA ATÉ NÓS E O LIBERTE, COVARDE!
A mulher apenas riu, balançando descuidado o corpo que segurava pelo pescoço, o que me fez vibrar ainda mais.
E então uma grande luz surgiu a minha frente, brilhando em um tom cinza, se concentrando em um globo iluminado de mesma cor e que liberava fumaça no mesmo tom a sua volta. Era, resumidamente, um globo de luz que deixava, por onde passasse, uma espécie de fumaça de mesma coloração que o seu núcleo.
A mulher, assustada assim como eu, se desintegrou em uma fumaça negra e deixou o menino cair. Este que, estranhamente, caiu leve como uma pena em cima de algumas plantas que cercavam a loja de conveniência.
O globo de luz desceu lentamente até encontrar o chão, então começou a se esticar e afinar. Após alguns segundos, o que havia na minha frente não era algo sobrenatural. Na verdade, me parecia uma simples e acinzentada... Fuinha.
— Inna... Isto é... Quer dizer... É...
—A minha... Aura?

Ficamos escondidas atrás de um grande caminhão até que o menino despertasse. Agora eu tinha minha própria aura... E era um dos meus animais preferidos. Tudo seria diferente, inclusive nas batalhas. Paul uma vez me explicou que uma aura é, por bem dizer, parte da força espiritual de alguém, de modo que se ela morrer, parte de sua vida também se perde. Mas, enquanto estivesse ao seu lado, sua aura seria capaz de dobrar sua força e, em alguns casos, velocidade. Mas isto apenas para quem a treina adequadamente... Nada que aconteça com esse grupo de adolescentes...
—Precisamos encontrar os outros! — Sussurrou Micka, agachada com o menino no colo. — Onde será que...
—Meu filho! — Gritou uma dama de vestido vermelho e cabelo ruivo em coque do meio do asfalto. — O que vocês fizeram com o meu bebê? Dê-me ele!
—Senhorita Wishburg? — Perguntei retoricamente assim que reconheci as feições doces e joviais de nossa professora de sociologia.
—Oh, senhor, o que vocês fizeram com o meu...
—Não fizemos nada com ele! — Respondi, nervosa. — O vimos caído na loja de conveniências e pensamos que seria melhor mantê-los conosco até que o pesadelo que está sendo esta noite acabe.
—Bem, já podem me devolver! — Respondeu a professora, parecendo ignorar completamente o meu breve discurso explicativo. — de qualquer forma, agradeço a proteção, e muito obrigada por encontrarem ele! — Por fim, soltou um rápido sorriso, pegando o garoto no colo e correndo para a limusine branca que a levara até ali. — Vamos bebê, papai está nos esperando...
O automóvel se movimentou após alguns segundos de silêncio, saindo do cenário assim que dobrou a segunda esquina. Voltei-me para Micka, que olhava atentamente por baixo do caminhão.
—Tem um homem lá... — Disse, levantando-se rapidamente com sua respiração levemente mais ofegante que a minha. —Está mordendo o pescoço de uma mulher inconsciente!
—Já chega, isso tem de acabar! — Disse, socando o material que constituía o caminhão e me levantando. Caminhei até o posto novamente, com passos decididos e minha nova fuinha tentando acompanha-los. — Hey, você! — Disse, chamando a atenção do homem, que agora largava o corpo desacordado aos seu pés. Era um moça linda, de mais ou menos um metro e oitenta de altura de cabelos cacheados e castanhos. Já o homem, também lá para os seus um metro e setenta, tinha olhos negros e secos, e uma boca por onde escorriam vários pequenos rios rasos de sangue. Seus dentes, que mais lembravam os de um tubarão, também estavam tomados pela vermelhidão. Passei por uma caixa de mecânico largada ao lado de um dos tanques de gasolina e agarrei a primeira coisa longa e pesada que encontrei. Ótimo, era um enferrujado martelo! — Venha me pegar, cretino!
O homem realmente correu em minha direção, com as mãos sujas de sangue a mostra e seu pescoço repleto de arranhões profundos. Sua camiseta estava aos trapos, suja de terra aqui e ali e com rasgos enormes na barriga e nas mangas. Igualmente com sua calça de malha.
O rapaz logo estava a quatro passos de mim, quando preparei meu martelo e o joguei com força na direção de sua testa.
— Argh... — Gritou, assim que o ferro perfurou e permaneceu cravado próximo a onde começava os primeiros fios de cabelos levantados em um topete.
Pisei com força sobre seu peito e arranquei bruscamente o martelo. Assim que ele tentou se levantar, ataquei-o mais algumas vezes, socando com o martelo na área entre o nariz e a testa. Logo, o que há duas semanas atrás me deixaria nauseada, um buraco por onde o sangue jorrava havia se aberto, e o corpo estava sem vida alguma.
Joguei o martelo enferrujado ao lado do corpo, e então me virei para onde Micka estava. Meu mascote estava entre nós duas, correndo na direção de minha amiga. Agarrando-a por trás havia outro homem, um pouco mais novo que o que eu acabara de matar e que se desintegrava em fumaça enegrecida. Na verdade, eu reconhecia aquele garoto. Era tão próximo quanto um mosquito qualquer, mas ainda assim era conhecido.
Ela tentava se livrar dele, mas ele era forte de mais. E havia a agarrado de forma que ela mal conseguia se mover. Seu rosto me passava agonia, e isso me enfureceu mais ainda.
—Andrew! —Gritei, correndo para tentar afastá-lo. Até que alguém, silenciosamente, agarrou a cabeça do garoto que assediava Micka e a girou, quebrando o pescoço do rapaz.
Assim como Micka, não pude deixar de conter um grito. Não fui rápida o suficiente para ligar meu raciocínio de sempre. Chilly parou na mesma hora, voltando a ficar do meu lado.
—Morra, maldito espírito fugitivo! — A voz que soltou essas palavras era dócil embora decidida. O que me assustou. Assim que o corpo do garoto caiu, pude perceber as feições delicadas e gentis de... Senhorita Wishburg? Espere... Mas...
— o que está fazendo aqui? — Perguntei. Em minha cabeça, um verdadeiro nó crescia a cada minuto. — Vimos a senhora sair com seu filho não faz dez minutos. Como pode...
—Charles? ENTREGARAM CHARLES? — a professora agora trincava os dentes, batendo com o pé no asfalto frio. — Não acredito que caíram nessa! Como podem ter sido tão idiotas? Vocês entregaram meu filho à um materializado! ENTREGARAM O MEU FILHO?
— Como sabe sobre... Espere... Você acaba de matar Drew!
—Mais uma vez, um materializado, não Andrew! — respondeu, retirando de sua bolsa negra um pequeno livro desgastado, totalmente negro com o símbolo de um sol rachado no canto inferior direito. — Quanto a sua “quase” pergunta: Acompanho May Crommwell há muito tempo. Sempre estive a espera da nova geração...
— Do que está falando? — Perguntei, puxando Micka, que permanecia encolhida e paralisada, para que ficasse de pé ao meu lado. — Como pode saber de tudo isso?
—A guerra do eclipse não gira em torno exclusivamente dos Crommwell. Existem outras famílias de bruxos, como por exemplo, os Winngle, da América do Sul. Ou... Os Wishburg.
Meu mundo parecia que estava a ponto de desabar. Todo esse tempo, sabíamos da existência de outras bruxas, como as famosas “da causa”. Mas, famílias inteiras e, ainda por cima, vivas... Saía completamente das explicações de Celly.
— Há muito tempo, um velho feiticeiro foi derrotado por quatro autênticos bruxas e bruxos. Com seus domínios sobre a natureza, ele esperava vencer do grupo enterrando-os junto com raízes de grandes árvores. Mas, então, um dos bruxos foi mais rápido do que ele... — A professora parou, como se estivesse vendo uma cena que só ela conseguiria enxergar para, depois, passar os dados corretos às crianças. —Joseph Crommwell incendiou todo e qualquer tipo de ser vivo próximo ao campo de batalha. O feiticeiro, que havia aprendido dois dos quatro elementos, provocou uma forte chuva. Mas então já era tarde demais... Não havia lagoas ou rios por perto, e as árvores se tornaram dúzias de carvões gigantes. Em seguida, Giselly Winngle, que passou anos especializando sua magia no controle de animais, fez com que lobos chegassem ao local... Lobos famintos e terríveis, que logo avançaram no pobre feiticeiro. Terminando o serviço, enquanto o que sobrou do oponente ainda conseguia respirar e raciocinar, Tanaya Wishburg e Wilbur Conoveiar o envolveram em um pequeno espiral de fogo, que o tomou rapidamente, incinerando-o. Mas, segundo antes de perder completamente a vida, o feiticeiro encontrou forças para lançar lhes uma maldição.
Inna ficou paralisada, e sentia que Micka estava a ponto de desmaiar, se não coisa pior. E sua fuinha, Chilly, parecia prestar tanta atenção à conversa quanto as meninas. Talvez até mais.
—Suas palavras... “Enquanto houver um único pinheiro vivo, ou uma única tulipa crescendo, o destino se encarregará de tirar-lhes a vida, um por um, de forma cada vez mais dolorosa.” “Quando o Sol e a lua se encontrarem, soltando sua primeira onda de magia, cada família perderá um de seus pecadores.”. Assim, um único trovão tombou o céu, seguido de uma terrível tempestade que chegou há durar três dias.
“Joseph Cromwell resolveu fugir. Juntou suas poucas coisas e convenceu sua mulher e seu casal de filhos a segui-lo. Saindo da Europa, Os Crommwell e os Wishburg chegaram, juntos, à América do norte, separando-se das outras duas famílias, que foram para a América do Sul.
“Mas o destino revidou... Três dias depois de sua chegada, Joseph foi queimado vivo por integrantes da igreja católica. Logo depois, sua mulher teve a mesma morte, mas ordenou que os filhos fugissem a tempo. Dayana e Thiago passaram a morar com os Wishburg, que logo foram atacados também. A igreja incendiou a fazenda da família, onde todos morreram, exceto Tanaya, sua filha de dezessete anos, e as duas crianças da família Cromwell. Desde então, a vida de ambos se tornou uma constante fuga, e até a geração passada foi essa mesma luta. Até que a igreja perdeu boa parte de seu poder... Mas a natureza não deixou barato.
“Assim que os descendentes pensaram estar livres, a maldição do feiticeiro realmente passou a ataca-los, fazendo com que todos se voltassem contra eles no primeiro eclipse do ano. O que nós gostamos de chamar de “guerra do eclipse”. A cada guerra, algum bruxo de alguma das famílias era morto de forma extremamente violenta. Se não bastasse, surgiu outra espécie de humanos. Os encarnados, espíritos rejeitados, foram trazidos a terra, e apenas seriam livres novamente se completassem sua missão: Matar algum bruxo de uma das quatro famílias mais poderosas durante a guerra.
—E assim nasceu o terror dos Cromwell... — Disse uma voz melosa de trás da professora. Assim que percebi, Marianne estava ao lado da outra mulher, com um sorriso de deboche estampado na cara e seu típico vestido vermelho colado de tecido desconhecido.
—Inna! — embora o susto, consegui distinguir de onde vinha o som e olhei na direção de onde achava que vinha. Percebi que ambos no cenário fizeram o mesmo.
Virando a outra esquina, quase chegando até nós, Paul, Tie e May corriam ofegantes em nossa direção.
—Isso é o que eu chamo de encontro às escuras... — Ironizou Marianne.

(Continua...)
 

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