Lua Escura - Parte 8

Um encarnado recebe sua missão assim que deixa de pertencer ao mundo dos humanos. Caso a cumpra, a liberdade será seu prêmio. Caso fracasse... Bem, só posso dizer que eu sempre vou me arrepender por ter me aproximado tanto assim daquele grupo de amigos...
Eu pagaria caro pelo modo como deixei meus sentimentos conduzirem meu corpo, e pagaria mais caro ainda por simplesmente ter me apaixonado.
A típica história dos contos atuais: Uma paixão proibida, uma missão impossível e uma guerra espiritual... Parece que a má sorte voltou a me encontrar...

----------- Paul:

— May! — Gritei, apontando com o nariz para o garoto parado a sua frente. — O que houve?
— Eu não sei! — Respondeu, ajoelhando-se ao lado de seu amigo que parecia ter congelado o cérebro em menos de um segundo.
Era aterrorizante. Tie estava ajoelhado, olhando fixo para o local onde May havia caído após o ataque de sua maldosa prima. Era como se uma camada invisível de gelo o tivesse dominado, impossibilitando-o de fazer qualquer tipo de movimento por vontade própria.
Seus olhos nada expressavam, e sua mão direita continuava esticada para o vento, como se ainda estivesse tocando a pele gélida de sua amiga. Era como se Tie não tivesse mais controle nenhum sob sua mente, e não lutasse para tê-lo de volta.
— Ele está em transe! — Rosnou Amy, assustando tanto May quanto eu mesmo que, por um momento, havia esquecido quase que totalmente de sua existência. — Ele voltará a si qualquer hora. Agora me devolva o diário!
— Cale-se, Amy! — Gritou May, ainda sacudindo Tie pelos ombros. — Mas que droga... O que está havendo com você...
— O demônio da ilusão... — Lembrei. Fora exatamente pelo que eu havia passado tantos anos atrás. Havia sido encurralado em minha própria mente, e não havia nada que eu pudesse ter feito para me livrar daquilo. — May, é isso! O demônio está tentando confundir Tie!
Encarei a garota por alguns segundos, esperando seu cérebro absorver por completo a minha teoria. Assim que o fez o rosto da bruxa se modificou a uma expressão desesperada e um tanto assustadora. Ela voltou seus olhos preocupados para mim e eu pude jurar sentir seu coração acelerado apressando cada vez mais o seu trabalho.
— Paul, ele só está em choque, ele... —Quebrava ela enquanto Owllie encarava tristemente os olhos congelados de seu dono. — Deve haver algum feitiço, alguma maneira... Me leve até ele!
— May, eu sei como se sente, mas os ataques deste demônio são inteiramente discretos e inesperados. O que está havendo com Tie pode, sim, ser a mesma coisa que houve comigo anos atrás!
— Na verdade, o demônio das ilusões possui uma grande fraqueza... — Revelou Amy, fazendo com que ambos na sala olhássemos interessados para ela. Mesmo assumindo o fato de que era uma garota não muito confiável, não há nada errado em apenas escutar. Além do mais, se ela estiver enganada ou mentindo, não mudará em nada nossas vidas. — Existe um meio de trazer o inconveniente de volta antes que ele tenha de passar por todo o sofrimento que o “monstro” proporciona em seus pesadelos.
— Do que... Do que está falando? — May se levantava lentamente, parecendo atenta a qualquer coisa.
— Está mentindo! — Acusou uma terceira voz, aparentemente vinda de lugar nenhum, até eu reparar uma linda mulher de vestido de seda branco decorado com alguns fios que se enroscavam em um brilhante rosa claro no local da barriga. A moça descia as escadas com tanta delicadeza que pensei ser uma professora de etiqueta. — Francamente, pequena Amy, existem formas mais honestas de derrotar seus adversários.
Celly parou diante de May, de costas para a mesma, encarando a versão maligna da garota com detectável desgosto.
— Não venha me falar de honestidade. — Retrucou Amy. — O grupo de escolhidos já se formou há algum tempo, Celly... E, no entanto, parece-me que os mesmos ainda te veem como uma pura anja da guarda. Não contou a verdade à minha prima, não foi?
May me encarou por um segundo, como se estivesse me perguntando algo. Fiz que não sabia com a cabeça e voltei minha atenção ao desenrolar da cena a minha frente.
Afinal, Amy e Celly se conheciam? Celly estava mentindo? Talvez sim... Quero dizer, ela é mesmo um pouco reservada demais para uma anja, mas nos salvou muitas vezes.
— Eu... Não faço ideia do que sua boca imunda esteja dizendo! — Respondeu a protetora. E, mesmo com sua autoridade celestial, pude notar um pingo de tensão em sua fala.
— Não mesmo? — Duvidou Amy, cruzando os braços e sorrindo maldosamente. — Talvez precise que eu refresque sua memória.
— Talvez precise que eu roube a sua! — Devolveu imediatamente Celly, demonstrando impaciência. — Talvez eu o faça, para que nunca mais volte a falar com um divino nesse tom!
— Vocês duas querem calar a boca? —Sugeriu May, ainda com os olhos fixos em seu amigo paralisado. O curioso era que ela não desviava seu olhar dele enquanto falava em momento algum, como se temesse ter de correr atrás de um corpo fugitivo. — Tie está com um enorme problema agora e o máximo que as damas conseguem fazer é discutir por algo que eu nem me dei ao trabalho de prestar atenção?
— Sinto muito May... — Disse a anja enquanto se virava para os dois amigos, deixando Amy encarar suas costas por um tempo. — Nada poderemos fazer para ajuda-lo. Quando o demônio da ilusão se instala na mente de alguém, ele recria todo um mundo imaginário exatamente igual ao nosso. Para escapar, Tie deverá perceber que não está no mundo real.
— E como é possível que ele perceba isso?
— Este é um demônio forte, May, mas não invencível. Ele sempre se esquece de copiar alguma coisa ou montar perfeitamente alguma personalidade. Acredite em minhas palavras: Sempre há um defeito escondido em uma ou duas pilastras!
— Eu preciso entrar na mente dele! — Insistiu May. — É um anjo, deve saber de um jeito!
— May, você...
— Eu sou a culpada por tudo isso estar acontecendo! — Disse, impedindo Celly de responder a última frase. — Paula diz isso, Jennifer diz isso... Inna diz isso o tempo todo! E eu sei que ambas tem razão em suas acusações!
— Preciso ir! — Afirmou a anja, ignorando totalmente as reclamações da bruxa escolhida. — Sugiro que fiquem de olho no garoto. Cada tremor, ataque, mesmo que esteja apenas com febre, pode ser um sinal de que Tie não está aguentando. Apenas... Observem...
Uma luz esbranquiçada tomou conta do cômodo por alguns segundos, recolhendo-se em um globo de luz que logo se tornou invisível a olhos humanos. Alguns trovões pareceram gritar furiosos com o céu noturno, e então percebi que Owllie continuava a frente de seu dono, esfregando-se nele como se Tie pudesse sentir. Mas ele não podia.
Permanecemos parados por quase cinco segundos, ambos demorando tempo demais para reagir à fuga do ser angelical que antes aqui presente estava. A escuridão sufocante retornou ao lar, juntando-se à nos e ao cheiro de sangue que dominava o ambiente e me provocava certo enjoo vez ou outra.
— Eu lhe entrego o diário.. — Afirmou May, encarando o chão e matando o silêncio desconfortável que se formara ali.
— O que? — Dissemos eu e Amy em uníssono.
— Mostre-me um jeito de salvar Tie... — Pediu, sem subir o olhar nem mesmo um centímetro. — Leve-me à mente dele, e eu abro mão da herança de minha avó...
— May, o que você...
— Paul, essa gente já sofreu demais por minha causa. — Respondeu, antes mesmo de eu conseguir completar a pergunta. — Enfrentaram sombras, possuídos, materializados... Tudo por minha causa. Todos eles, até mesmo Heath...
— Heath sofreu por minha causa! Eu o transformei!
— Para que pudesse vir atrás de Paula, lembra-se? — Recordou. — E fez com que ele a transformasse para que ambos pudessem chegar até mim.
— Nem tudo é sobre você...
— Não, mas isto sim! — Gritou, tentando por um fim a nossa discussão antes que mais alguém precisasse ser salvo. — Até agora, tudo tem sido culpa minha, Paul! Riley foi possuído, Jennifer sequestrada, Tie ficou preso em um mundo inexistente e agora isto está se repetindo!
— Não May, você é apenas mais um peão em meio a um gigantesco tabuleiro de cristal! — Dessa vez foi Amy quem tentou convence-la, o que me provocou um leve arrepio de dúvida. — Será que não entende? Tie e os outros possuem tanta culpa nisso quanto você. Eu também, e Paul, e qualquer um que faça parte disso! É o nosso mundo, sua idiota, mas isso não quer dizer que fomos nós que o causamos! Somos as vítimas... E você, May, é a maior delas...
— Eu não... — Gaguejou a garota, parecendo ter perdido todas as palavras de seu vocabulário. Era como se ela houvesse tomado conta de um pingo de vergonha que agora crescera exageradamente, misturando-se com as faíscas de culpa que seus olhos exalavam. — Não me importo... A culpa pode não ser de toda minha, mas isso não resolve absolutamente nada... Leve-me a mente dele!
— Sinto muito. Por mais que eu deseje tomar posse deste caderno, não existem meios de se conectar a mente de alguém a menos que ambos sejam divinos de raça pura ou mensageiros...
May soltou um suspiro, mas não pude identificar o que aquilo significava.
— Isso quer dizer que sou inteiramente inútil... — Reclamou a bruxa. — Bem, precisamos de um pla...
— May! — rosnei, interrompendo-a com o propósito de chamar sua atenção para o que realmente parecia preocupante no momento. — Tie!
Esperei ambas as garotas voltarem seus devidos olhares para o ser congelado que decorava o canto do cômodo. Owllie continuava tentando despertar o seu dono, mas algo mais perturbava o ambiente agora.
— O que é...
Tie agora estava deitado, praticamente colado ao chão, tremendo como um bebê sem roupas em um dia de inverno. Suas mãos se movimentavam um pouco, parecendo querer segurar algo fora de seu alcance, e pude perceber, com minha visão avançada, que o suor dominava seu rosto.
— Isso não pode ser algo bom... — Palpitei.

(Continua...)

 

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