Lua Escura - Parte 1

O Sol começava a se erguer no céu.
A manhã alaranjada vinha acompanhada de uma leve e doce onda de ar que avançava lentamente sobre a população da linda Boston. No alto, onde o céu não dava espaço a nuvens, pássaros voavam livremente, compartilhando seus cantos e suas cores vivas que pareciam concordar com o tom da luz natural.
Olhei atentamente para um jovem casal de esquilos que se esconderam atrás de uma moita assim que eu me aproximei. Não consegui conter o sorriso, e nem quis. Era muito bom poder sorrir novamente. Descansar. Poder pensar um pouco como alguém normal, em uma rotina normal, em seu mundo completamente normal.
Infelizmente... Sei que isso não vai durar muito.

——————— MAY:

A rua estava vazia devido ao horário. Estava muito cedo. Eu caminhava alegremente enquanto meu i-pod reproduzia “When i look at you” da Miley Cyrus. Estava um dia realmente perfeito para mim.
Finalmente cheguei ao meu destino.
Passei pelos gigantescos portões centrais da escola, cumprimentado os muitos alunos que já haviam chegado e agora se distribuíam em seus pequenos bandos. Era ruim ter de falar com todos, mas eu queria realmente fazê-lo. Queria, mais uma vez, brincar de ser importante em meio à sociedade.
Passei direto pelo pátio central, subindo pela escada de meio-pátio e chegando a uma área do segundo andar onde o caminho oferecia três opções. Três corredores distintos: Um repleto de armários com banheiros ao final; Outro onde foram construídos quatro enormes laboratórios de química; E outro que resultava em pequenas salas de aula de línguas estrangeiras diferentes.
Dei uma olhada para além da escada, para o pátio por onde eu havia acabado de passar. Lá estavam Paul e Tie. Tie tentava ser o GPS do garoto loiro até que ele se acostumasse de verdade com o local. Parecia estar fazendo um belo trabalho, pois Paul possuiu uma expressão ansiosa assim que seu amigo apontou para a sala de aula teatral.
Voltei minha atenção para o corredor dos laboratórios. Eu estava realmente doida para conseguir uma daquelas questões quase impossíveis de equilíbrio molecular. Por sorte, essa seria minha primeira aula.
—Pensei que vocês tivessem saído da cidade...— Disse uma voz, quebrando minha atenção. Levei um tempo para me recompor do susto depois que olhei para o lado e vi que não passava de um garoto otário predestinado a não ter futuro nenhum.
—Pensei ter dito a você para não se aproximar de mim ou de meus amigos! – Respondi rapidamente, lançando-lhe um olhar de fogo e culpando a genética por não ter me criado caninos pontudos e garras afiadas.
—Sou o tipo de cara que não sege regras...
—Mesmo? Então, adivinha só: Ontem eu passei no cartório e mudei meu nome para “Regras”! — Sorri sarcasticamente. — Ou seja, já pode me deixar em paz e ir procurar algo para fazer!
—Talvez eu deva mesmo! — Disse, recuando dois passos sem desviar os olhos de mim. — Quem sabe eu e Micka não tenhamos uma conversinha? Ela não me satisfez da última vez. Está me devendo muita...
—Fique longe dela! — Meu tom de voz mudou de impaciente para raivoso. Talvez eu estivesse mesmo exagerando, mas Micka merecia um pouco de descanso antes de receber de volta seus antigos problemas. — Estou avisando, Andrew, se você ousar permanecer no mesmo pátio que ela, eu...
—Você o que? – Perguntou, abrindo os braços, sem abandonar o sorriso. — Você me tortura até a morte? Ou, não, você chama seu novo amiguinho para me torturar... Ai... Já consigo sentir a dor e o sangue me abandonando...
—Algum problema? — Não consegui evitar levar mais outro susto quando uma terceira voz foi auto-adicionada a conversa.
Drew então cruzou os braços, desfazendo o sorriso e voltando seu olhar para o outro garoto, analisando-o de cima a baixo. Às vezes eu me esqueço de que Paul consegue escutar mais do que um humano deveria...
—Não... — Respondeu o ex-namorado de Mickaella, mesmo que a pergunta não tenha sido direcionada a ele. — E, mesmo que estivéssemos com algum, não precisaríamos do seu intrometimento.
—Paul, deixe-o. Não vale a pena... — Disse, puxando o braço do rapaz loiro e o carregando para longe. Demorou um pouco, pois ele era forte demais, mas consegui. Só então percebi o quanto é difícil ter um amigo encarnado, ainda mais quando esse quer se meter em brigas. Em minhas brigas.
Deixamos Andrew resmungando algo à beira da escada, e entramos no corredor dos laboratórios de química, entrando no de número três e sentando na segunda mesa tripla da quarta fileira. Por um instante, voltei a me lembrar do meu último dia na escola antes do caos. Bem no dia em que Micka e Tie foram esperar Isabella no aeroporto. O mesmo dia em que o Sol havia brilhado para nós mais uma vez. O que me assustou outra vez, pois o Sol brilhava hoje mais uma vez.
—Hey, agora vai roubar o meu lugar também? — Disse Tie, sorrindo, enquanto jogava sua mochila no chão e se sentava na última cadeira vaga da mesa. — O que houve? Eu virei por um minuto para pegar a chave de seu armário e você desapareceu.
—Sim, resolvi fazer novas amizades. O povo daqui é bem... Confiante.
—Andrew?
—Sim! — Respondi, antes que Paul soltasse mais um deboche sobre a população de Boston. — Pelo visto as coisas não mudaram por aqui... Nem um pouco.
—É claro. — Opinou Tie. — Não se esqueça de que todo esse sinistro “combate” só aconteceu para nós. Ninguém sabe de nada May, eles não perderam a proteção, lembra? Ninguém daqui consegue ver absolutamente nada do que conseguimos.
Parei para refletir por um segundo.
Parecia loucura, mas era verdade. Tudo pelo qual passamos foi uma história quase que particular. Era-se capaz de ousar pensar até que tudo foi fruto de nossa imaginação. Não fossem as marcas que nunca nos deixariam, poderíamos nos considerar legítimos loucos.
Abaixei a cabeça por um segundo e a balancei, em negativa, enquanto ouvia fragmentos da conversa dos dois garotos ao meu lado. Passou mais um segundo e eu olhei para a outra fileira de mesas, onde todas estavam lotadas de livros esquecidos e reações feitas pela metade. Por um momento pensei em terminá-las, mas então percebi que não me lembrava de absolutamente nada condizente a matéria.
—E o que acontece agora que a lua minguante se foi? — Perguntou Tie, capturando de volta minha atenção.
—Ainda estamos sujeitos a ataques, embora as criaturas tenham muito menos força durante outras fases da lua. — Respondi.
O diário de minha avó foi o suficiente para que eu encontrasse a resposta de tal pergunta. Eram incríveis as descobertas feitas por ela em tão pouco tempo de magia. Porém... Sinto que ainda á algo de errado naqueles registros.

Sete horas haviam se passado. O caminho de volta parecia-me tão tranqüilo quanto o de ida. Em alguns minutos eu estava em meu quarto junto a Thor, que dormia debaixo de minha cama.
Agora eu estava com o diário de Madelynne aberto em meu colo, enquanto eu lia uma das páginas do meio. Nela, haviam descritos dois feitiços de ataque: Um deles servia para distrair, e fazia com que uma terrível tempestade se iniciasse no momento em que o feitiço fosse conjurado; e o outro fazia apenas com que qualquer líquido próximo ao bruxo atacante congelasse instantaneamente. Em meu ponto de vista, feitiços inúteis.
Virei à página.
Essa era uma das páginas que eu já havia lido. Mesmo assim, foquei meus olhos nas últimas palavras, ainda sentindo um calafrio ao fazê-lo:
“Quem conseguir ler isto, obviamente é um Crommwell legítimo! Provavelmente este é o fim para mim... Mas você,seja quem for,caro amigo,ainda pode se salvar! Ainda DEVE se salvar... Se esconda, eles te seguirão, e você deve estar preparado (a)! Boa sorte...
Madelynne R. Crommwell – A bruxa das flores.”
Passei, fria, para a próxima página. Vazia.
Avancei mais duas. Nada.
Estava claro... Aquele foi o último registro de minha avó. Ela não teve tempo de ensinar mais aos futuros Crommwell’s... Não teve tempo de tentar nos preparar para as guerras... Ela foi pega. Foi morta. Mal teve a chance de chegar à guerra do eclipse e tentar manter sua honra.
Mas agora possuo meus próprios problemas... Não posso deixar me abalar por algo do passado. Não agora, justo agora, que todos dependem tanto de mim. De minha mágica inexplorada e, até pouco tempo, inexistente.
Não... Eu preciso ser forte! Preciso de mais...
—Preciso praticar! — Disse, em voz alta, enquanto fechava o diário e caminhava decidida em direção ao jardim.
Desci as escadas e passei pelas portas até chegar ao local desejado, onde eu me assustei ao ver um animal um pouco maior que um cachorro me encarar do canto de margaridas.
—O que é... — Cancelei minha fala assim que reconheci a espécie. Deixei o diário cair, aturdida, e senti minhas sobrancelhas se curvaram involuntariamente. Minha boca congelou, aberta. Fiquei definitivamente paralisada. Se eu não estivesse realmente doida, o que eu estava vendo bem na minha frente era uma...
— Uma legítima Raposa-das-falkland. —Disse uma voz atrás de mim, que me fez pular de susto antes de me virar para trás. — Ou, se preferir chamar assim, Lobo-das-malvinas.
Enfim consegui encontrar o ser que falava comigo. Era uma garota, aparentava ter minha idade e era um pouco mais alta do que eu. Seu cabelo, liso e preto com mechas e pontas azul-escuro, estava preso em um rabo de cavalo, e caía até sua cintura. Ela vestia um conjunto gótico completamente preto: Uma blusa de mangas longas com a estampa de um crânio roxo no centro e uma saia que ia até os joelhos, um par de all-star preto, meia-calça preta e pulseiras pontiagudas roxas e prateadas. Por um momento, lembrei-me de Inna, era impossível não lembrar. Seus olhos eram verdes com rabiscos finos e pretos ao redor, e suas unhas também eram pintadas de pretas.
Peguei o diário do chão e o abracei forte assim que percebi para onde ela direcionava o olhar. Isto a fez sorrir maliciosamente. Após alguns instantes de silêncio, percebi que Thor havia me seguido e rosnava para a raposa. Tentei ignorar, voltando minha atenção para a garota.
— Raposas-de-falkland foram extintas no século XIX. —Soltei, assim que percebi que não sabia o que dizer. Mais uma vez, ela apenas sorriu.
—Me chamo Amy... — Disse, mordendo os lábios. — Amy Crommwell. Feliz em me conhecer, priminha?
Perdi a respiração por dois segundos. Não consegui fechar os olhos, minha pele gelou, minhas mãos enfraqueceram, mas não o suficiente para que eu largasse o livro de minha avó. Enfim, consegui recuperar meus sentidos, embora eu ainda estivesse completamente assustada. Quer dizer, existem outros Crommwell’s? Eu não sou a única?
—Ouvi dizer que está com o diário de minha avó... — Disse ela, estendendo a mão direita. — Ficarei feliz quando me devolver.
—Devolver? —Perguntei, rangendo os dentes. Por algum motivo, eu não conseguia controlar minha raiva com a presença dela. — Eu não preciso te devolver nada! Este diário nunca foi seu, foi de minha avó! Por que eu te devolveria?
—Porque se você não o fizer por bem, eu vou ter que pegá-lo a força! Apenas um legítimo bruxo-Crommwell deve possuir este livro.
—Qual parte da “minha avó” você não entendeu? — Respondi, sentindo o calor subir ao meu redor. — E você? Seu nome nem sequer aparece em alguma página. Em todas as páginas, Madelynne deixa bem claro que o propósito de sua vida era salvar a mim e a minha mãe. Então, se você acha que eu não sou uma herdeira do poder, saiba que você nem sequer existia para ela! — Senti mesmo que fui rude demais. Porém, foi ela quem começou a provocar.
A garota sorriu mais uma vez, com os braços cruzados. O que me fez ir a loucura.
—Então é você mesmo... — Disse ela, enquanto me olhava dos pés a cabeça. — A legítima filha de Cloe... Aquela que foi escolhida pela “guerra do eclipse”.
—Como... Como você sabe sobre isso?
—Quando se é uma das ultimas duas pessoas de uma linhagem inteira de bruxos, você precisa saber do que se esconder...
—O que você quer comigo, então? — Perguntei. Não queria me deixar levar apenas pelo fato de ela ser meu único parente viva no mundo inteiro. Ela não era como eu.
—O diário! — Respondeu, batendo um dos pés no chão, o que fez a raposa saltar, com os dentes a mostra, no pescoço de meu cachorro.
—VADIA! — Sem saber como, ao olhar para o animal atacante, fiz com que o mesmo fosse arremessado para longe, batendo e quebrando a cerca de madeira que ficava em volta do terreno. Voltei a encarar a garota, que agora era envolta por uma espécie de fumaça roxa.
—Agora vamos jogar do meu jeito!

(Continua...)
 

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