Episódio 9

03h38min A.M.
O vento frio afrontava o grupo de jovens que caminhava lentamente pelo caminho de onde vieram. Sturk havia desaparecido, e Burnstein permanecia colado ao lado de May.
A estrada estava deserta, e o único sinal de vida doado pela natureza era o continuo e estressante canto das cigarras, e o longe uivo de alguns cães.
Micka, Tie e May, os únicos do grupo que ainda possuíam suas próprias lanternas, ativaram o objeto, expandindo seu limite de visão.
-Minhas pernas estão me matando! – Inna mantinha sua expressão de fúria, e olhava fixamente para o vazio do local. – Espíritos malditos...
-E o pior de tudo... – Isabella secava o suor de seu rosto com um dos braços. – é ter que passar por tudo isto ao lado dessa “pamonha”! – Ela apontava, cansada, para Tie.
-Por favor, galera, não é hora para brigar! – Micka forçava sua voz.
-Thor... – O grito de May era surpreendentemente alto. Suas lágrimas escorriam por seu rosto e seu corpo encontrava-se um gelo puro. – Thor... Por favor, au-au me responda!
-Au-au? – Tie não se deu ao trabalho de levantar a cabeça. Seus olhos encaravam o chão. – May, ele está com Jennifer, nada lhe acontecerá... Pode parar de gritar agora?
-Perdoe-me...
-Esperem! – Inna parou de se movimentar, ordenando a todos que façam o mesmo. – Acho que escutei alguma coisa se movendo...
Uma parte do mato que contornava a estrada começou a balançar, confirmando a presença de mais alguém no local.
Burnstein avançou, transformando-se em sombra. Todos aguardavam atentamente por mais um ataque.
Isa recuou, aos poucos, para o outro lado da estrada. Algo se soltou de lugar nenhum, em um segundo, e a puxou para o meio do mato, fazendo-a desaparecer.
-Prima! – Gritou Mickaella, percebendo, logo após, que Paula também desaparecera. – Não! O que está havendo?
-Corram! – May sussurrou, obedecendo a sua própria ordem e sendo obedecida pelos outros três jovens. Burnstein, ainda como sombra, se encontrava na frente de todos.
-Não, Pare! – Todos se voltaram para Inna.
Tarde demais, a jovem também havia desaparecido.
-Inna! – May gritou após ser puxada à força por Tie.
Micka, correndo, olhou para trás. Algo se movia nas sombras da noite, e seja lá o que fosse, apenas sua silhueta era mais ou menos visível. Parecia um... Morcego, enorme, quase do tamanho de um adulto alto, que se desfez no ar, soltando um alto chiado, mais parecido com um gemido. Sturk atravessou o animal, sobrevoando o grupo e passando a segui-los.
-Ai meu Deus, o que é aquilo?
Não era apenas isso, havia silhuetas humanas também! Silhuetas que se perderam na confusão do mato, confundindo a visão limitada da garota.
-Inna! – May, enquanto corria, não abria mão dos gritos desesperados que cresciam em sua garganta.
-Faça um favor para ela e fuja! – Ordenou Micka, com raiva.
Algo se materializa logo acima deles. O morcego!
Sturk, em sua forma animal, se aproxima do bicho, tentando perfura-lo mais uma vez. Algo dá errado e o pássaro-Sombra é arremessado contra o asfalto, provocando uma enorme rachadura. Sturk se refaz em questão de segundos, e volta a bater as asas, sem nenhum arranhão.
Neste mesmo instante, Burnstein atravessou uma concentração de pessoas recém-chegadas na estrada, derrubando a maioria delas, e abrindo espaço para que os jovens pudessem passar.
-Espere, são pessoas de verdade? – Tie se assustou, mas continuou na corrida, enquanto o grupo de estranhos continuava atordoado e não lhes impedia de prosseguir. Ao se virar, olhando para a direção em que deveria fugir, alguém o agarrou. – Pare! Solte-me! –Sem pensar, Tie o empurrou com força, e voltou a correr, alcançando os outros.
-Porque o sol não chega logo? – May gritou.
-Ainda são 3:59! – Em um movimento brusco, o relógio verde fluorescente soltou-se do pulso de Micka, caindo na beira da estrada.
-O relógio! – Tie a alertou.
-Deixe o relógio para lá, vamos embora! –Micka espiou o céu, avistando o grande morcego lutar com Sturk, que parecia cansado. A jovem se concentrou na corrida mais uma vez, ao perceber que estava sendo deixada para trás.
-Preciso parar! – Tie gemeu. – Sinto que vou cair a qualquer instante!
-Não! Se parar agora, estará comprando seu túmulo! – Micka lhe empurrou, como se para lhe dar impulso.
-É mesmo? E para onde pretende ir? Mesmo se chegarmos a Boston, eles continuarão nos seguindo. Além do mais, você se esqueceu de que pegaram suas amigas, incluindo sua prima? Pretende deixa-las? – Tie parecia agressivo por dentro, mas tudo não passava de um reflexo proporcionado pelo medo e pela dor.
-Sinto muito, Micka... – May continuava a chorar. – Mas Tie está certo.
-Não podemos fazer nada! Se voltarmos, nos pegarão também!
-São nossos amigos! – Tie gritou, e então parou de correr. May imitou seus movimentos, esperando uma resposta de Micka.
-Tudo bem! – Micka parou, virou-se para os dois, e prendeu o cabelo com uma fita violeta em apenas um cacho. – É a vez de vocês. O que querem fazer? Voltar e se juntar a eles?
-Sim! – May gritou desta vez. – Porque, pelo menos, saberei que lutei por eles! Poxa, Mickaella, eles passaram por tudo isto, assim como nós... Merecem pelo menos um pouco de nosso reconhecimento!
-Eu os levo... – Paul surgiu no meio do asfalto. – Comigo, pelo menos tem alguma chance de sobreviver.
-Não vou discutir! Aparentemente eu estou sempre errada!
-Não foi isso que eu disse! – Exclamou May, batendo o pé.
-Nem precisou!
-Parem! – Paul falou em voz baixa. – Sturk não é tão forte, daqui a algum tempo o mandarei fugir... Temos que aproveitar enquanto consegue distrair o morcego.
-A propósito... – Tie se aproximou. – Que bicho é aquele?
-Depois eu explico. – O rapaz loiro se aprofundou no labirinto de mato, prestando bastante atenção, para que ninguém se perdesse. – Fiquem calados até que eu permita o contrário!
-Esperem... – May segurou um dos braços de Paul. – Não estou vendo Burnstein...
- O gato sabe se virar sozinho! – Respondeu.
-Alguém aí ainda está com o celular carregado? – Tie tentava se soltar do inacreditável nó de verde natural que se fez a sua frente.
-Calados! – Paul engrossou a voz, de modo que lhe fez parecer ainda mais sombria.
-Desculpe-me...
* * *
04h17min A.M
-Se algo acontecer a mim... – Corbin permanecia parado, com os braços cruzados e cabeça erguida. – Arranjarão problemas maiores do que a guerra do eclipse. Como eu já disse, existe um exército de encarnados e uma união de cinco bruxas experientes que estão dispostas a fazer este evento desaparecer por completo... Para sempre!
-Já derrotei exércitos antes. – Marianne levantou uma das mãos, para expressar uma forma de conta com seus dedos. – Primeiro: Um exército de mais de cinqüenta encarnados. Segundo: O povo da fé! Grupos vindos de todas as igrejas nacionais. Terceiro: As bruxas da causa! Mais um, menos um...
-Bruxas da causa? – Riley libertou o cão, que parara de rosnar para a moça, e voltou a se concentrar na conversa. – O que são?
-Bruxas da causa: União de bruxas especializadas em áreas a parte. – Marianne voltou a cruzar os braços. – Madellyne, por exemplo... A bruxa das flores... Pelo menos antes de perder o pescoço.
-Madellyne... A dona do diário... Ela... – Riley foi impedido de prosseguir. Os latidos de Thor tomaram uma ênfase irritante no silêncio da noite.
-O que este vira-lata pulguento... – Algo atacou Marianne, fazendo-a cair automaticamente.
-Que diabos é isso? – Corbin recuou ao ver a figura. Um enorme morcego, cujos dentes pingavam sangue ainda quente, pousou em meio à estrada, próximo à mulher recentemente atacada.
-Ele vai matá-la! – Jennifer tentava não esmagar o crucifixo com a força que o pavor lhe doava.
O grande animal ergueu seus compridos braços, onde a maioria das veias era visível, resultando no aparecimento de afiadas garras. Ele as lançou, com força, na direção de Marianne. Sua intenção não era das melhores.
-Não! – Riley gritou.
O morcego parou. Uma de suas pontiagudas orelhas se movimentou um pouco, e então seus olhos negros se viram encontrando os de Riley.
Uma onda de medo e ansiedade banhou o rapaz.
-Riley... – Corbin sussurrou, abrindo, sem movimentos brutos, sua mochila. – Ele não enxerga muito bem, morcegos confiam nos sons. Portanto, faça silêncio!
-Isto é mentira!
O animal gigante movimentou, mais uma vez, suas orelhas. Desta vez ele voltou sua atenção para uma pequena criaturinha que demonstrava raiva e bravura em seus latidos.
O morcego levantou um vôo baixo. Assim que o grande morcego começou a se aproximar do poodle, Thor fugiu para o matagal, levando-o junto em uma fria perseguição.
-Marianne! – Corbin se aproximou, levantando-a com calma.
-O que era aquela coisa? – Jennifer chorava desesperadamente. A essa altura, seu crucifixo havia desaparecido.
-Durante a lua minguante... – Marianne sentia uma imensa dor nas costas, onde o animal havia cravado suas unhas dos pés. – Não são apenas as almas penadas que tem direito a uma “visitinha”.
-Em outras palavras... - Corbin soltou a mulher, ao ter certeza de que ela não cairia novamente. – Aquela... Coisa... Era um demônio. Mais especificadamente: O demônio da noite.
Riley e Jennifer se entreolharam. O frio que percorria o local, aparentemente deserto, havia sido dispensado pela adrenalina corporal de ambos.
* * *
-Demônio das sombras? – Micka olhava diretamente para Paul.
Neste momento ambos se encontravam sentados, escondidos, atrás de uma enorme rocha. Do outro lado havia uma imensa floresta de árvores mortas, neblina e uma grande mansão abandonada.
Coincidência?
Não! May havia reconhecido aquele lugar há tempos atrás!
-Escutem... – Paul abraçava suas pernas. – Esta é uma parte excluída da Bíblia. Eu não me lembro muito bem da história... Mas sei que, no dia em que a serpente usou Eva para quebrar as ordens dadas por Jesus, cinco demônios se libertaram da grande árvore de fruta proibida. Cada demônio é representado por um animal!
-Pode explicar melhor? – Tie, inesperadamente, parecia realmente interessado na história.
-Demônio das sombras, como vocês puderam ver, é representado pelo morcego, por ser um animal de hábitos noturnos e que se adapta facilmente à escuridão. Depois temos o demônio do fogo, cujo corpo se assemelha ao de uma raposa, por ser um animal elétrico que passa a vida correndo de um lado para o outro. Em terceiro... Que eu me lembre... Temos o demônio da ilusão, representado pelo homem...
-Ilusão? – May saiu de seu transe pessoal ao ouvir a palavra.
-Sim. O demônio da ilusão confunde a mente e o coração de seus alvos, colocando um contra os outros, ou apenas fazendo-os sofrer com cenas inexistentes, manipuladas por seu próprio cérebro!
-Que horror! - Micka sentiu um leve arrepio. Isto pareceu um tanto familiar para ela.
-O quarto demônio não é problema para vocês, ele foi aprisionado no inferno durante a idade média. Já o quinto e último demônio... Bem, posso dizer que as chances de conseguirem derrotá-lo são quase nulas...
-Como é esse demônio?
-Ele sobreviveu durante todo este tempo... – Paul balançou a cabeça, em negativa. – O último demônio, não só é representado, como é a própria serpente de Éden! Este é o demônio do caos. Eu desejo boa sorte a vocês!
-Por quê? – Micka pareceu se esquecer de que precisava falar baixo. – Porque está falando como se precisássemos lutar com estes tais demônios?
-Bem... É que, se a bruxinha quiser sobreviver, terá que impedir a guerra do eclipse, e o único jeito de isto ocorrer é derrotando a serpente!
-Do que está falando? – May se assustou ao perceber que ela era a tal “bruxinha”.
-Continuando: É impossível encontrar a serpente, a não ser que matem pelo menos dois de seus demônios. Isto a atrairá.
-Porque está nos contando isto? – Tie olhou para o rapaz, percebendo que a pergunta feita havia lhe atingido de maneira certeira. – Pensei que estivesse do outro lado do jogo... Você não queria nos matar?
-Eu preciso matar vocês... – Os olhos azuis de Paul ficaram vazios por muitos instantes. – Eu preciso matar a descendente dos Cromwell... Ou então serei enviado ao inferno, e serei trancafiado por lá pelo resto da eternidade que me resta. Mas...
-Esta é a sua missão? – May atingia um tom frio agora. Estranhamente, ela sentiu algum tipo de ligação entre os dois. Era como se algo dentro de Paul tentasse encontrar a saída do labirinto de pecados que possuía seu corpo, e ela sentisse isto. – Precisa me matar, nesta tal cerimônia?
Paul ignorou, continuando sua fala.
-Uma pequena parte de mim não quer isto! Eu já estive na pele de vocês... Já fui um humano bobo com um corpo cobiçado pelas almas... Eu, melhor do que ninguém, sei o que estão passando nesse exato momento!
Um vento frio passou pelo local, provocando arrepios em todos. E agora? Quem era Paul? Deveriam confiar nele, ou os instintos de Micka deveriam ser respeitados?
-Marianne me transformou... – Lágrimas começaram a surgir no canto de seus olhos. – Antes que eu pudesse salvar minha amada... Ela me matou, e a matou logo após!
Paul estava mesmo chorando? O que estava acontecendo?
A tristeza dominou o local. Em alguns instantes, todos sabiam que Paul estava falando somente a verdade, durante todo o tempo. Ele estava realmente sofrendo...
-Paul... – May também chorava agora. O que provocou a mesma atitude em todos.
-Porém... Uma parte de mim ainda quer estar livre... Livre do inferno, da maldição, da guerra... Esta guerra maldita matou as únicas pessoas que me importavam neste...
Um forte latido interrompeu a fala do loiro. Do mesmo local de onde haviam saído, Thor apareceu, correndo, pulando nos braços de May logo após.
-Thor!
-Galera... – Tie se levantou, assim que todos fizeram o mesmo, e apontou para o grande morcego. – Nada bom...Nada bom...
-O que é aquilo? – Micka se assustou ao ver um pequeno animal sendo esmagado pelos dedos do demônio das sombras.
O morcego jogou o pássaro contra o chão. A ave, negra como a noite, estava morta.
-Sturk! – Paul gritou, esquecendo-se do ritual, do sacrifício,da guerra, e da história. Nada mais lhe importava... Seu mascote era sua única família, e agora, ele havia sido friamente assassinado.
O morcego soltou um grito inacreditavelmente grosso. Sua mão e seus dentes estavam infestados de sangue... Sangue de animal... Sangue de Sturk!
-Vamos... – May gritou, se engasgando. – Temos que entrar na mansão!
-Você vai morrer, Demônio maldito! - Paul não controlava a altura de seus gritos. O resto de seus sentimentos havia sido perdido no instante em que esse monstro matara seu único amigo. O jovem queria mais do que tudo, demonstrar sua fúria.
O morcego soltou mais um de seus estranhos sons. Desta vez, pareceu um protesto.
-Vamos! – Tie puxou Paul por um dos braços e correu.
Todos fugiram, freneticamente, sem olhar para trás.
Ouviu-se um bater de asas. O morcego estava pronto para agarrar sua próxima vítima!
* * *

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