Episódio 11

-Inna? - O rapaz ignorou os barulhos agressivos na sala dos móveis e seguiu na direção oposta, resultando em um grande cômodo vazio.
Não havia nada no local, literalmente.
-Tie Hitchester... - Disse uma voz melosa vinda de trás do garoto.
O jovem virou-se rapidamente, assustado.
Havia uma mulher lá.
A dama tinha cabelos lisos e negros que escorriam até sua cintura, olhos negros e convidativos e um nariz levemente arrebitado. Ela vestia um vestido roxo com mangas largas que cobriam todo o seu braço e uma lua minguante branca no local onde deveria estar o umbigo. Suas unhas, das mãos e dos pés, estavam pintadas de vermelho.
-Quem... - Ele gaguejou, se preparando para uma possível defesa. - Quem é você?
-Por enquanto... - A mulher estendeu seus braços na direção de Tie. - Apenas um empecilhozinho!
Algo surgiu em volta do corpo da mulher. Um tipo de aura negra, com algumas faíscas roxas e outras esverdeadas.
-Siésquerros! - Gritou ela.
Tie começou a levitar, debatendo-se inutilmente no ar, até ser arremessado e bater na parede mais próxima, caindo no chão logo a seguir. A estrutura da casa pareceu tremer um pouco.
-Maqueannis! - Continuou ela, movendo um pouco os braços.
Agora, centenas de tarântulas surgiram de todos os cantos da sala e começaram a avançar em direção a Tie, que não conseguia se mover.
* * *
-Como se mata esse demônio? - Corbin retirava um revólver de sua mochila.
-Não perca seu tempo... - Marianne estava de costas, encarando o nada. - Quer ação? Se livre desta porcaria e compre uma escopeta ou um rifle!
-Ele não morre com magia? - Perguntou Riley.
-São muito poucos os feitiços que funcionam contra demônios... Além disso, tem que vir de uma bruxa muito experiente...
-Eu só quero a minha filha de volta... - Jennifer estava isolada, chorando desesperadamente ao lado de Burnstein.
-Provavelmente ela já deve estar morta há essa hora! - Exclamou a mulher de pé.
Todos a encararam.
-Não os subestime Marianne... - Paul abandonou o matagal e se sentou no meio da estrada, ao lado de Riley. - São mais inteligentes do que nós dois pensávamos, sabia? Mickaella e os outros ainda estão vivos... - Ele olhou por uma fração de segundos para o homem com um revólver na mão esquerda, parecendo se esquecer sobre o que estava falando. - Quem é esse?
-Corbin Sant’Lhianna! - O próprio homem exclamou, prendendo a arma em seu cinto.
-Ele é...?
-Sim! - Marianne ainda encarava o nada.
* * *
-Queridas... Hora do jantar!
As aranhas continuavam avançando, subindo pelos braços e pernas de Tie. O garoto sentiu algumas picadas, e gritou.
-O que você quer? - Ele perguntou, em meio aos gemidos.
-Preciso de um ajudante... - Ela cruzou os braços. - Quando o veneno de meus bebês fizer efeito, terei controle total de seus sentimentos... Você será meu escravo!
-NÃO!
-Vamos ver... - A mulher andou, lentamente, de um lado para outro. - Sempre quis Inna Johann como algo mais do que uma simples amiga, não é?
-NÃO... DE ONDE VOCÊ... TIROU ISSO? - Mais picadas, O garoto estava começando a perder a consciência.
-Ótimo! - Ela riu, com um tom maldoso. - Matará ela primeiro... Depois eu mesma darei conta daquela vadiazinha... - Da janela quebrada, A mulher conseguia ver a multidão cercando Micka.
* * *
Thor latia enfurecidamente... Não que isso fizesse alguma diferença.
May conseguia, com chutes, afastar alguns dos estranhos desconhecidos, mas parou de tentar assim que percebeu uma nova presença no local.
-Eu ordeno que se afastem! - O vestido branco de Celly parecia se alargar com a força do vento agindo sobre ele. Havia algo de diferente nela... Algo inexplicável, divino, espetacular... Eram... Eram...
-Asas? - Micka perdeu a respiração por um segundo, deixando a boca aberta.
Celly estava dotada de grandes e fofas asas angelicais formada por delicadas penas brancas que atraiam a atenção de qualquer um.
-O livre arbítrio... - A mulher olhou para May. - Deixa bem claro que qualquer ser-vivo tem o direito a um corpo e uma mente livre!
Esticando os braços na direção do céu, Celly começou a pronunciar algumas palavras no latim, e então um forte vento quente passou por toda a área.
Os desconhecidos que perseguiam os jovens caíram, de joelhos, e May teve de se segurar na pedra para não cair.
O vento levou a fita de cabelo bege de Micka para bem longe.
May desceu correndo da pedra enquanto as pessoas estranhas ajoelhavam-se ao redor de Celly e abraçou sua amiga com força.
-Não deixe que o demônio controle vocês! São mais fortes do que isso... Vocês são filhos de Deus!
As amigas continuavam abraçadas, com medo de tudo o que estava acontecendo.
* * *
-Você... Aah... Você é o morcego? - Tie não conseguia mais evitar os gemidos altos e as lágrimas. O veneno ardia demais, a dor proporcionada pelo mesmo era insuportável.
-Idiota... Eu não sou o demônio das sombras, se é o que quer saber. - A dama passou seus dedos pelo desenho da lua minguante em seu vestido. - Eu só quero acabar com a guerra do eclipse! - Ela espiou o lado de fora através da janela mais uma vez. - Preciso matar aquela bruxinha maldita! É o único jeito...
* * *
-Crianças... - Com todos ajoelhados a sua volta, Celly voltava sua atenção para as duas amigas que se abraçavam fortemente. - Tie precisa de ajuda! Não se preocupem com o morcego, ele fica inconsciente assim que surgem os primeiros raios de sol!
Micka assentiu.
-Hey... - Celly voltou a falar assim que May e sua amiga deram os primeiros passos. - Procurem por minha Pomba branca! AGORA VÃO LOGO!
Mickaella e sua amiga bruxa correram, com dor de cabeça, na direção da mansão.
* * *
-dois... Um... - A mulher das aranhas estava de braços cruzados agora. - zero...
Tie gritou em agonia. Sua visão e sentidos vacilavam, aos poucos, até chegarem à estaca zero.
Seu campo de visão fora substituído por uma perversa escuridão que girava constantemente como um buraco negro. Neste instante, ele sentiu-se levitando. Algo o envolvia como um cobertor de gelo, e suas mãos permaneceram geladas por mais alguns minutos. Até que tudo parou.
Tie sentiu como se estivesse caindo, e então algo se chocou contra seu corpo.

Apenas com o som da respiração no ar, alguns minutos se passaram...

Sua visão voltou aos poucos, e ele sabia que todo o seu corpo permanecia com uma terrível tremedeira. Com o passar do tempo, Tie percebeu estar em algum outro lugar. Um lugar solitário e escuro, cuja iluminação fraca nascia de alguns pequenos postes finos de ferro que se espalhavam pelos calçadões da cidade grande.
Com exceção de Tie, a cidade, que por sinal lembrava muito o centro de Nova York (cheia de prédios muito altos, muitas lojas, calçadões largos e extensos e um asfalto novo e limpo.), estava completamente abandonada. Literalmente: Não haviam pessoas, animais, carros, bicicletas ou motos...
O jovem percebeu mais algumas coisas: Estava ventando fraco, porém um vento frio, e poucas estrelas brilhavam no céu. Era noite. Desta vez, nem os grilos e as cigarras davam o ar de sua graça.
O local estava deserto... Abandonado... E Tie, agora com muito medo, estava preso em um mundo completamente desabitado. Estava sozinho...

* * *

-O QUE ESTÁ FAZENDO COM ELE?
Foi a única coisa que May conseguiu dizer antes de ser arremessada direto do Hall até a sala dos móveis pela magia misteriosa da mulher das aranhas.
-Quem é você? - Micka se sentia fria, e sua garganta agora estava seca.
-Você vem comigo! - A mulher agarrou os pulsos da jovem e a fez desmaiar em apenas um segundo. - Só falta um amiguinho seu, bruxinha! - Sussurrou, enquanto arrastava Micka para perto do corpo vazio de Tie.

* * *

-Olá? - A voz de Tie ecoava pelo silêncio da noite no mundo abandonado. Ele sabia que não teria uma resposta, mas algo o influenciava a continuar tentando. - Tem alguém aí?
Nada... Nem sequer o bater de asas de uma mariposa.
Durante alguns tristes minutos, o garoto caminhou pelos calçadões frios tentando obter algum sinal de vida. Algum suspiro, algum olhar... Pelo menos um sorriso. Ele precisava ver alguém... Precisava sentir alguma presença humana...
Tie odiava ficar sozinho. Desde criança, esta era uma das poucas coisas que atingiam os sensores de “medo avançado” do jovem.
-Micka? Riley? - Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ele as prendeu assim que sentiu sua ameaça. - Por favor... Alguém...
Um relâmpago invadiu o céu, seguido de um estrondo ensurdecedor.
-Não... - Sem chance: As lágrimas não conseguiram mais ser contidas. Enquanto apoiava seu corpo em um poste de ferro, Tie chorava, solitário, sabendo que ninguém estaria escutando.

* * *

Um longo pedaço de uma fita bege de cabelo é carregado pelo vento, pousando suavemente aos pés de Jennifer. Ela o apanha:
-Este... - A mulher se levanta eufórica. - Este laço é de Mickaella! Eu tenho certeza!
-Eu disse... - Agora, Paul estava deitado em plena estrada, sério, encarando as nuvens da manhã de terça. - Eles conseguiram sobreviver...
-Quanto tempo vai levar para perceber que eu notei a ausência de Sturk, Paul? - A outra mulher, ainda de pé e encarando o nada, perguntou.
-Não me interessa quanto tempo, Marianne. Não me interessa mesmo. Eu já estou farto de tudo isso...
- O que... - Ela se virou para o rapaz loiro, que não a encarava.
-Madelynne, Heath, Sturk... Cloe... - Paul se levantou brutalmente do asfalto, olhando diretamente as feições frias da mulher que o olhava. - Não importa quem ou o quê... Eu sempre perco! Já parou para pensar em quantos amigos meus morreram por causa desta maldita sede de poder? Já parou para pensar em Sturk? EM? JÁ PAROU?
-Pense pelo lado positivo: - Ela sorria, com malícia nos olhos. - Não falta mais ninguém querido para você perder.
- Sim.. - Ele recuou em direção ao mato. - Ainda faltam pessoas inocentes que não merecem o que está para acontecer... E eu não vou deixar que as matem! - Alguns instantes depois, o rapaz havia desaparecido em meio ao matagal.
-Não me obrigue á...
Pow.
Todos direcionaram os olhares para o pequeno buraco recém-aberto no pescoço de Marianne.
-Morra sua desgraçada! - Corbin voltou a prender seu revólver no cinto.
Ouviu-se um raivoso “miau”, mas o portador da arma de fogo só percebeu o ódio do gato preto quando o mesmo avançou e o fez três aranhões leves em seu braço.
* * *
-Nosso pai está disposto a perdoar qualquer filho que queira, de coração, ser perdoado pelos seus atos... - Celly, de algum modo, conseguiu fazer com que todos desmaiassem à sua volta. Não esperou muito até perceber alguém familiar correndo na direção da casa velha. - Paul?
-Celeste?
-O que houve com você? Sua aura está clareando... Como se tivesse acabado de nascer...
-Na verdade... Sturk acabou de ser...
Um grito feminino agonizante interrompeu o assunto, assustando o encarnado e a anja.
-Micka! - Sussurraram os dois ao mesmo tempo.
O som de algo se quebrando encheu o ar morno logo a seguir.
-escute... - As asas de Celly começaram a bater involuntariamente. - Eu preciso voltar ao templo... Me prometa que vai salvar minha pomba branca e seus amigos!
-Eu vim justamente para isso, não posso deixar que a história se repita!
-Ótimo. Eu... - Tarde demais. Celly havia desintegrado em feixes de luz branca que se soltavam do céu.
-eu prometo...
-Promete o quê para quem?
Paul se virou, olhando para a mulher em cima da grande pedra, sentindo um arrepio.
-Você?

* * *

Alguns minutos se passaram até Tie voltar a persistir.
Caminhando pela imensa cidade noturna, o garoto resolveu entrar em um grande shopping center de oito andares que, como todos os outros prédios, estava com as portas de entrada destrancadas.
Encontrando a sala de controle no subsolo, o garoto apertou todos os botões de um amplo painel cinza ligado a um monitor. Todas as luzes do shopping se acenderam, E Tie se assustou ao perceber que as lojas estavam limpas e preparadas para funcionar a qualquer momento. O ar condicionado estava funcionando perfeitamente, assim como os monitores que ficavam presos a algumas pilastras mostrando as horas. Lia-se:
“Data: xx/xx/xx - horário: xx:xx”
-Que estranho...
Ele subiu pelas escadas rolantes, que também estavam funcionando perfeitamente, chegando ao terceiro piso do edifício. O jovem seguiu andando, até resultar em uma grande praça de alimentação.
Tie entrou em um espremido restaurante self-service, e percebeu que os pratos e os talheres estavam postos em um balcão ao lado de grandes fornos onde se lia “escolha-sua-comida”.
Ele levou mais alguns segundos observando o espaço vazio atrás do caixa, e então voltou às escadas rolantes. Desta vez, elas o levaram para o quarto piso.
Um andar inteiro só com lojas de telefonia e informática fez o garoto quase pular de alegria.
-Graças a Deus! - Tie correu euforicamente até uma loja de telefones.
Ele retirou um aparelho conectado a uma linha telefônica e discou alguns números.
-Por favor, Micka... Jennifer...
Uma outra voz surgiu do outro lado da linha:
-O proprietário desta linha telefônica não existe. Por favor, cancele a ligação e não volte a tentar. Obrigada!
-Não... Não existe?
Um suave “tic-tac” surgiu logo a seguir.
O aparelho explodiu assim que Tie o jogou em um canto da loja, percebendo o que provocava o som.
Os alarmes do shopping começaram a disparar, e então grandes portas de metal surgiram do teto e desceram rapidamente até colidirem com o chão brilhante.
Algo o havia prendido dentro da loja.

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