Lua escura - Parte 7

A vida não se torna mais fácil quando o segredo do além lhe é revelado. A verdade é que não existe segredo nenhum... O problema são nossos olhos simplificadores que não aceitam o que veem.
Quando olhamos ao redor percebemos o caos que nós mesmos manipulamos sem ao menos pensar em como nossos espíritos reagem a isso. Pior, como os outros espíritos reagem.
As guerras não só destroem o planeta, como afeta todas as camadas que nos cercam. Apenas não acho certo que nós, adolescentes “indefesos”, pagarmos pelo que vocês provocam.
A propósito, muito obrigado pela ignorância de cada ser humano!

---------- Tie:
— Owllie! — Gritei, esperando minha coruja levantar voo e atacar novamente a garota que tentara matar May.
E foi o que ele fez! Owllie deu uma volta completa em toda a sala e, por fim, se transformou em um globo de luz azul cercado por uma fumaça de mesma cor. A aura avançou na bruxa, que parecia esperar pacientemente até que o choque ocorresse... Até que:
— Sintieniel Protecs! — Rosnou, um segundo antes de uma espécie estranha de barreira roxa/transparente crescer ao redor de todo o seu corpo.
Owllie se chocou contra a barreira, que pareceu se mover como água quando uma gota cai sobre ela, sendo arremessado até o lado oposto da sala, onde atingiu outros azulejos beges, rachando-os no mesmo instante. Sua forma animal retornou a ele antes de cair inconsciente no chão.
— Owllie! — Gritei outra vez, agora com espanto e raiva em minha voz. — Maldita!
Queria revidar o ataque, mas eu não tinha os poderes de May e ainda não havia dominado totalmente meu controle mental (nem mesmo sabia se isso servia como ataque ou apenas como meio de comunicação). Tudo o que pude fazer foi correr até meu animal e o pegar nos braços.
— Essa guerra é minha, garoto... — Avisou-me Amy, antes de sua raposa se levantar e mancar até os pés de sua dona. — Seria melhor deixar que eu acabe sozinha com essa vadia e poupe a vida de sua ave. Saia daqui!
— Essa guerra é nossa, bruxa! — Revidei, voltando a estar ao lado de May. — Você nem faz parte da nova geração, não entendo por que insiste em se meter nisso! O que você quer?
— O DIÁRIO DE MINHA AVÓ! — Por um momento, tive a impressão de que a voz da garota havia engrossado brutalmente. Talvez seja só coisa de minha cabeça.
— O diário é de minha avó! — Respondeu May, com os dentes trincando. — Ela me deu ordens diretas para não lhe entregar! E não o farei isso! Siésquerros!
— Revidy Nolae! —Gritou Amy, apontando para mim.
Observei uma faísca vermelha sair das mãos de May e rebater nas de Amy, vindo diretamente em minha direção. Não tive tempo para pensar: Joguei Owllie em cima da mesa de mármore e aguardei até ser arremessado.
Não demorou muito. Fui lançado pelo ar até a parede atrás de mim, onde o choque fez com que um grito sufocado escapasse de minha garganta. Caí em cima dos restos de azulejo que May havia quebrado quando fora atingida pelo mesmo feitiço, o que provocou dois cortes dolorosos em minha barriga.
— TIE! — Berrou minha amiga, segurando um de meus braços para me ajudar a levantar. Assim que consegui me manter em pé (claro que minha barriga, minhas pernas e meu pescoço estavam cortados e ensanguentados ao extremo), a garota virou-se para sua versão maligna e gritou. — Ptonwon Auryollu!
Uma forte luz de tom avermelhado invadiu a cena, lançando ondas invisíveis de ar para todas as direções. O que antes era uma sala abafada, agora parecia uma leve amostra grátis do polo norte. A luz enfim se concentrou em um pequeno globo de luz vermelho, que era perseguido e envolto por uma espessa fumaça de mesmo tom e parecia flutuar a muitos centímetros de distância do chão, de modo que ficava a altura de nossos ombros.
Percebi como aquele globo me trazia depressivas lembranças do dia em que o pequeno Owllie entrou em minha vida. (Embora minha aura tenha adquirido a coloração azul, ainda assim as lembranças atingiam seguidamente meu peito.).
— Como você... — Amy quebrou sua frase, incapacitada de pensar. May também estava chocada, aparentemente o feitiço havia saltado de sua boca. Ela não havia feito absolutamente nada...
O globo de luz continuou lançando suas ondas gélidas de ar, até descer e tocar o chão. Nesse instante, a luz avermelhada se intensificou de tal modo que tive de manter meus olhos fechados. Assim que os abri, um pequeno animal (um pouco maior que meu bebê coruja) havia tomado o lugar do globo de frio.
Assim que os últimos vestígios da mágica luz resolveram se recolher, pude perceber que um filhote de coala (Sim, ele tinha pelos por todo o corpo) de uma pelagem cinza com suas pontas extremamente brancas e olhos negros e carentes havia tomado o lugar do globo.
— Minha nossa... É o meu... É... — Minha amiga se ajoelhou e estendeu os braços para o coala. O animal se segurou em seus dois dedos polegares — Agarrando um deles como cada mãozinha — e escalou os braços delicados e cortados de May até se encolher num abraço. — Minha aura!
Pensei em como um animal como aqueles reagiria em batalha, mas não se pode duvidar de nada quando se trata de auras. Eu que o diga, Owllie já salvara minha inútil vida incontáveis vezes desde que saímos daquele maldito universo paralelo.
— Como você conseguiu isso? — Gritou Amy, trincando os dentes ao mesmo tempo em que cerrava os punhos. — Não pode... Isso é impossível! Os feitiços não entram simplesmente em seu cérebro... Você precisa treinar para dominá-los.
Eu e May nos encaramos quase que de imediato, confusos. May havia lançado pelo menos dois feitiços diferentes hoje. Isso sem contar o que havia acontecido nesta tarde, quando a garota me salvou dos feitiços de sua prima maldosa. E, no entanto, May não havia treinado uma única vez em toda a sua vida.
— Eu não quero saber! — Disse, lembrando-me angustiadamente das palavras que May dizia há Paul alguns minutos antes. (Sim, meu controle mental havia evoluído a tal ponto que eu agora podia escutar os sussurros alheios.). — Por que não volta para o seu treino e nos deixa em paz?
— Por quê? — Perguntou-me, o que quase me fez soltar uma resposta. Amy foi mais rápida. — Por que você insiste em se meter nos problemas de nossa família? Por acaso precisa que eu lhe ensine uma lição?
— Ouse tocar um dedo em Tie! — Rosnou May, o que realmente me assustou. — Ouse fazer isso e você brevemente arderá no fogo mais sombrio e caótico do inferno!
— Mande-me para o inferno e nunca mais veja Paul... — Retrucou, com um sorriso besta no rosto. — Ou seu pai!
Mesmo não conhecendo muito o pai de May, — Ele me assustava, admito. Parecia não gostar muito de mim, ou então fazia de propósito para que eu não tivesse muita intimidade. — Senti como se algo perfurasse minha barriga. O frio se intensificara, e o ambiente ficou tão tenso que meu estômago se revirou mais de uma vez.
— Meu pai está viajando! — Gritou May, respirando ofegantemente com uma terrível ira a dominando.
— Nas profundezas, querida. — Respondeu a bruxa. — Ele está viajando nas profundezas inexploradas e desconhecidas dos túneis de éden!
Túneis do éden?
— Está blefando! — Respondi, o que fez a raposa rosnar para mim.
— É claro que está! — Assentiu May, cerrando os punhos.
— Se me matar, nunca vai saber a verdade... — Disse, desfazendo a barreira roxa à sua volta. — Mate-me, e nunca mais veja Paul ou seu pai...
— O que me garante que...
— Pensando melhor... — Interrompeu Amy. — Mate-me, e nunca mais veja Tie também!
Meu corpo endureceu como uma rocha em uma fração de segundos. O frio agora dominava meus pulmões, e meu coração parecia querer fugir de mim, batendo tão rápido que percebi o que eu sentia: Medo!
— Crolluscus Sinimega!
— TIE, NÃO! LARGUE-O! — May se ajoelhou ao meu lado, pondo o coala no chão e tentando quebrar algo que agora me impedia de mover os pés.
Um grande casulo de pedras subia por todo o meu corpo, vindo diretamente do chão e crescendo mais e mais a cada segundo. As pedras logo chegaram à minha cintura, prendendo parte de meus braços logo depois.
May chorava sem impedir suas lágrimas, tentando sem sucesso impedir as rochas de me acolherem.
— May... — Chamei, observando enquanto ela voltava seus olhos encharcados para mim. — Vou ficar bem... — Prometi, mesmo que não soubesse se era mesmo a verdade. — Vou esperar você ao lado de Paul...
— Como sabe que vou conseguir te salvar? — Perguntou, entre soluços e mais algumas tentativas de impedir o casulo, que agora se aproximava de meus ombros.
— Eu sei que vai... Você sempre consegue!
Foi nesse instante que Owllie despertou, tão desnorteada que mal havia notado o que estava acontecendo comigo. Era como se não enxergasse minha má sorte.
— Proteja-a para mim, okay? — Pedi, observando a jovem garota assentir com a cabeça. — E se proteja... De tudo. Pode prometer que ficará bem?
— Tie... Eu prom...
O casulo se fechou acima de minha cabeça nesse exato momento, impedindo-me de escutar o fim da frase. Estava quente e úmido, e eu sentia “coisas” pegajosas se moverem ao meu redor. Era como se eu estivesse explorando uma caverna estreita a ponto de caber só um morcego.
Inexplicavelmente pude sentir as mãos de minha amiga tocarem o casulo pelo lado de fora. Repreendi as lágrimas que tentavam escapar. O que aconteceria agora? Nunca mais veria May? Nunca mais veria ninguém?
Por todo esse tempo fingi estar bem, mas minhas lágrimas sempre caíam quando eu voltava para casa toda noite. Elas chegaram mais cedo hoje, e eu cansei de prendê-las. Não fazia sentido... Não havia ninguém para ver.
Não pode me deixar aqui, Tie... Por favor...
Sabia que May sofria do outro lado, o que me apavorou mais ainda. Eu nada conseguia ver, e nada conseguia ouvir. O que Amy estaria fazendo a ela?
Mais uma vez, eu era apenas o fracassado do grupo. Aquele que sempre deixava todos na mão bem na hora que mais precisavam. Foi assim com Inna, quando estava desmaiada na grande mansão; Foi assim com Paul, quando o maldito materializado se jogou em cima dele; Foi assim com Jeniffer, quando ela estava presa naquela cama-rocha de Marianne e eu mal conseguia me mover. E agora seria assim com May...
Não deixe ela te intimidar... Disse, encostando-me às rochas úmidas que me cercavam. Você é bem melhor do que ela, sabe disso. Estarei esperando você com seu pai... E Paul...
Tie...
Não dê o diário a ela, May. Você precisa sobreviver!

Ouvi um estrondo correr por todo o ambiente externo ao casulo, e então senti o chão se abrir aos meus pés (aos pés do casulo, na verdade. Isso se ele tivesse pés.) e então senti a pressão e a gravidade me absorvendo.
Tudo acabava aqui, então? Eu tentava confortar May, dizendo que a encontraria depois. Mas a verdade era que eu não sabia se haveria um depois.
E se eu não estivesse indo a lugar nenhum? E se Paul já estivesse morto e eu estivesse indo pelo mesmo caminho?
Pare, Tie, por favor. Eu consigo ouvir seus pensamentos...
Boa sorte...
Por favor, Tie, prometa que voltará.
Não posso...

E foi ai que o ela mental se desfez... Agora eu não estava mais no mundo mortal.

(Continua...)

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