Lua escura - Parte 6

Uma luz simboliza uma vida. Quando alguma luz se apaga, em qualquer lugar do mundo, alguém segura a mão de um anjo pela primeira vez. E, quando uma se acende, um novo sorriso está prestes a viver.
Mil sombras não valem tanto quanto uma única luz, mas nenhuma luz sobrevive sem ser sustentada por uma sombra. É como a dor... Sabemos que estamos bem apenas no momento em que paramos de senti-la. Sabemos ter algo valioso assim que ele se quebra com um doloroso estalo. O mundo funciona assim...
O nosso mundo, devo dizer...
O mundo das almas frias e ingratas, que apenas dão valor as coisas quando percebem tê-las perdido para sempre...
Aqui estamos nós, falando diretamente do cemitério dos mercenários...

----------- May:

Tive de manter meus olhos completamente fechados por pelo menos quatro segundos inteiros, voltando a abri-los apenas no momento em que a estranha luz gerada por Celly parou de me fornecer seu sonolento calor. Eu disse sonolento, não entediante.
Uma leve brisa agora roçava meu rosto e partes do meu corpo. Não era muito forte, mas fazia com que diversas pétalas flutuassem sem pressa ao nosso redor, juntas a alguns feixes de luz dourados que atravessavam as nuvens fofas e brancas e caíam do céu acima de nós. Aos meus pés, que agora estavam descalços, cócegas fracas eram provocadas por um lindo gramado verde e vivo que destacava girassóis aqui e ali.
Havia violetas coloridas ao redor de todo o cenário, misturadas com dezenas e mais dezenas de tulipas e rosas. Um pouco mais atrás, incontáveis fileiras de pinheiros e coqueiros isolavam tal lugar de qualquer perigo, mas abriam espaço para a dança das muitas borboletas que rodeavam o local.
— Este lugar é... Estamos no... Com luzes e... O ar é tão... Grama verde... — Quebrava Tie, tentando formular alguma frase. Assim como eu, ele parecia estar sem palavras. Na verdade, quase parecia sem ar. — Quero dizer... Estamos no...
— Ei... — Sussurrou Inna, e só então percebi que suas vestes pretas haviam sido substituídas por um lindo vestido longo e branco, e seu cabelo estava em um negro intenso e parecia ter passado por um alisamento profissional. — Eu Me lembro desse lugar! Esse é o... O templo!
— Sim, minha pequena pomba branca. — Concordou Celly, voltando a nos encarar meio segundo depois. — Gostaria de poder explicar tudo a vocês, mas mal temos tempo aqui... Na verdade, anjos, o tempo está se esgotando em qualquer lugar.
Encarei Celly por dois longos segundos, percebendo que seus olhos eram guardados por uma teimosa camada de gelo que, crescendo mais a cada segundo, cercava as sobras do aconchegante fogo de sua aura.
— Por que nos trouxe aqui, Celly? — Perguntou Tie, finalmente recuperando o ar. Sua expressão agora endurecera um pouco, quase como se estivesse com raiva de algo, mas não quisesse nos contar por algum motivo. — E por que motivo Mickaella não pode vir conosco?
— Não me entendam mal, — Pediu a anja. — mas a jovem Micka representa a parte terrena de vocês. Sendo assim, ela nunca pode vir aqui antes de sua verdadeira hora, a não ser que não pretenda voltar...
— Tudo bem, isso responde as coisas por enquanto... — Respondeu o garoto, ainda nervoso com alguma coisa.
— E o que fazemos aqui? — Inna disse, se abaixando para pegar uma rosa branca que estava em seus pés.
— O mundo que vocês conhecem está passando por uma lavagem cerebral. — Revelou, se aproximando alguns passos de nós. — Eu precisava que vocês se lembrassem de tudo. De tudo o que eu vou dizer agora! Prestem atenção, é importante...
Não pude deixar de notar que Tie recuou à medida que nossa amiga avançou. Era quase como se ele tivesse medo dela e não quisesse tocá-la de forma alguma.
— Tem um novo demônio solto. — Disse, fazendo instantaneamente todos olharem para ela ao mesmo tempo, com a mesma cara de espanto. — E parece que a ordem do inferno foi alterada, pois quem veio a terra foi o terceiro demônio: O demônio da ilusão.
— é claro! — Gritei, assustando os outros. — Paul disse uma vez que existiam cinco demônios diferentes: O morcego das sombras, a raposa do fogo, o homem da ilusão, o quarto que foi preso no inferno, e a serpente de éden.
— Onde eu estava quando ele disse isso tudo? — Perguntou-me Inna, cruzando os braços como se eu fosse culpada por algo.
— Estava com a dama das aranhas, lembra? Desmaiada...
— Cada demônio está ligado a um membro de cada geração, — Começou a explicar. — e só este deve detê-lo. O grande morcego estava ligado à Riley, e conseguiu fugir pelo fato de o garoto não o ter enfrentado realmente. A grande fraqueza dos demônios e a insistência humana, algo que Riley não tem.
— Espere! — Inna protestou, talvez para assimilar tudo calmamente. O que eu entenderia, pois era informação demais para só um dia. — Se cada pessoa do grupo tem de derrotar um demônio, então o demônio da ilusão está ligado a quem?
Ela respirou um pouco antes de responder, encarando todos nós, um de cada vez, como se fossemos ficar chocados com a ideia. Pousando os olhos em mim, o que realmente me congelou, ela finalmente disse:
— Tie Hitchester...

Fomos transportados para casa dez minutos depois.
Como Celly havia prometido, todos os sinais de batalha em Boston haviam desaparecido. Calçadas inteiras e no lugar, nada pegando fogo, pessoas se recolhendo para suas casas com crianças elétricas por causa dos doces. Apenas as decorações pareciam rasgadas e sujas, mas ninguém parecera perceber isso.
Inna correu para casa assim que voltamos, e Tie ainda passou um tempo ao meu lado. Talvez ele não quisesse ficar sozinho depois do que acabara de ouvir, o que eu entendia perfeitamente. Ou talvez ele estivesse apenas esperando que eu lhe fizesse algum feitiço útil de proteção, o que não aconteceu. Quase tive pena dele, mas o garoto se despediu e voltou para casa algum tempo depois.
— Então... Celly não queria que se esquecessem da noite? — Perguntou Paul, que havia ficado mais um pouco comigo para me ajudar a recolher e guardar os únicos restos de decoração que eu havia arrumado sem ânimo antes de tudo isso. — Isso não é uma atitude muito comum nela...
— Celly também disse sobre um novo demônio... O demônio da ilusão... — Confessei, encarando o chão por um tempo enquanto me apoiava no mármore da mesa da sala de jantar. — Paul... Acha que Tie consegue? Digo... Ele é o mais próximo de um irmão que eu consigo ter, e já perdi gente demais da família.
O rapaz me encarou com seus olhos azuis, agora frios, e se aproximou com seus passos lentos de mim. Mal percebi quando ele pegou uma de minhas mãos e a beijou, mas o ato me provocou um arrepio assustador.
— Não se preocupe com Tie... — Disse. — Ele ficará bem, May. Todos ficam... Eu fiquei.
— Você o que? — Perguntei, ainda encarando o mármore.
— O demônio da ilusão se ligou a mim da última vez. — Revelou, embora suas palavras agora parecessem um sussurro. — O mandei para o inferno outra vez... E sei que Tie fará o mesmo.
Não prestei mais atenção ao que o garoto dizia a partir do momento em que sua outra mão tornou a acariciar meu cabelo. Estava mais atenta às intenções dele do que em suas palavras.
Finalmente ele largou minha mão, pondo a sua em minha cintura e me fazendo girar em cento e oitenta graus, até que estivéssemos cara a cara.
— O que está fazendo Paul? — Perguntei, no exato momento em que nossos olhos se encontraram e suas mãos passaram a sustentar meu rosto.
Mas não obtive resposta, o que me deixou ainda mais nervosa.
— Ainda precisamos falar de Tie? — Perguntou, se aproximando tanto de mim que passei a sentir seu hálito. Uma mistura doce de menta e carência invadiu meus pulmões. — Ainda precisamos falar de alguma coisa?
Eu estava ficando sem ar, não sabia o que fazer.
Não estava com frio, estava longe disso, mas precisava mortalmente de seus braços me aquecendo. Percebi isso, e ele também notou meu desejo.
Senti outro arrepio no momento em que ele me abraçou sem tirar os olhos de mim. Apenas nossos rostos não se tocavam naquele momento, mas isso não foi problema por muito tempo.
Nossos lábios finalmente se roçaram, tocando-se definitivamente um segundo depois. Ele pôs a mão direita de volta em minha nuca enquanto nossas línguas se encontravam, e então meu corpo todo passou a responder com uma gigantesca dormência.
Ele se afastou para me encarar, mas eu segurei em sua camisa e o puxei de volta, o que me surpreendeu. Eu não queria mesmo que aquele momento terminasse. Eu precisava daquilo, de tudo.
Voltamos a nos beijar junto ao nascimento de um arrepio, o que me fez suspirar entre um beijo e outro. Segurei firme seu rosto, e suas mãos seguravam minha cintura. Não era necessário, pensei, pois eu não fugiria daquilo, mas eu gostava de como suas mãos me aqueciam. E isso também me dava prazer.
Por um momento, finalmente, esqueci-me de tudo ao meu redor. Minha vida havia desaparecido milagrosamente. Auras, espíritos, maldições, guerras... Nada mais fazia parte de mim. Até os amigos eram apenas uma vaga lembrança de um mundo imaginário.
Ainda me segurando pela cintura, ele me levantou e me fez sentar em cima da mesa de mármore. Colamo-nos novamente, sem interromper o beijo em nenhum momento. Eu me arrepiava de dois em dois segundos, e Paul parecia perceber e gostar disso.
— Isso é errado... — Sussurrou em meu ouvido, o que me fez apertar seu braço de ansiedade e nervosismo.
— Não quero saber... — Respondi, trincando os dentes. Sem abrir os olhos em nenhum momento. — Apenas me beije...
— É sério, não pensei em meus atos... Não consigo parar depois que começo, e não farei força para me impedir...
— Então não pare! — Revidei, mas minha voz quase que soava desesperada. — Faça o que quiser...
— Com muito prazer! — Gritou uma terceira voz. — Siésquerros!
Apenas percebi a maldita presença de minha prima no momento em que fui arremessada contra a parede à direita. Voei de cima da mesa, literalmente, chocando-me contra os azulejos beges da sala e caindo no chão um segundo depois.
Tentei me levantar duas vezes, conseguindo apenas na última. Estava sentindo muitas dores, e um corte de seis centímetros havia nascido em minha barriga. Pior do que o sangue que escorria por ali era a forte ardência que aquilo me provocava.
— Amy! — Grunhi. Tentei me lembrar de um feitiço que havia lido no diário na noite anterior. Era algo como... Crosswon... Tronwon... Não, era diferente... Era bem diferente... Era... — Ptonwon Levius!
Minha voz ecoou em todo o local, e uma luz vermelha enfumaçada em forma de um lobo alpino avançou na outra bruxa e a fez cair de costas no chão. O lobo ergueu suas garras ao ar a as arrastou pelo rosto da menina.
Meu amigo desapareceu logo depois, mas agora eu tinha dois cortes de vantagem (Visto que agora ela tinha três no lado direito de seu rosto.).
— Uma bruxa com aura ainda bloqueada e com um defensor que apenas sabe arranhar... — Ela sorriu, batendo palmas. — Minha vez, priminha! Ptonwon Levius!
A luz roxa surgiu aos pés da minha inimiga. O pastor belga avançou tão rápido contra mim que mal tive tempo de impedir que ele mordesse meu braço duas vezes, em dois lugares diferentes.
Obviamente, comprovando como eu não era nada parecida com Inna, soltei um agonizante grito e deixei que minhas lágrimas caíssem livremente, uma atrás da outra.
— May! — Gritou Paul, correndo em minha direção.
— Crolluscus Sinimega! — Rosnou, apontando com o indicador para o rapaz loiro.
Um grande círculo de rochas cresceu direto do solo, atravessando e quebrando o piso, se enroscando em Paul e o prendendo, como uma borboleta em um casulo.
— Crolluscus Nometerra! — Continuou, e então o casulo voltou ao solo, fazendo Paul desaparecer diante de meus olhos.
— Maldita, deixe-o fora disso! — Gritei, ainda com o braço e a barriga ensanguentados. — Siésquerros! — Não sabia o que estava fazendo, mas já escutara tal feitiço duas vezes.
Pensei em atingir a garota, mas sua raposa levitou em vez disso, sendo arremessada contra a parede e jogada brutalmente no chão depois. Sim, eu iria me arrepender disso. A culpa de Amy ser uma idiota medíocre não era da pobre raposa!
— Vai se arrepender! — Ela gritou, apontando os dois braços para mim. — Croll...
—Ainda não, vadia! — Gritou alguém, um menino, eu percebi, pouco antes de uma coruja envolta por uma luz azulada acertar a cabeça da bruxa com o bico e entrar voando em minha casa, pousando ao meu lado. Tie passou por cima de minha prima (não literalmente, ele passou ao lado dela.), ajoelhando-se no local onde eu estava ajoelhada. — Vi a raposa entrando em sua rua e resolvi esperar. Ouvi os barulhos pouco tempo depois... Você está bem?
Queria saber exatamente que barulhos ele havia escutado...
— estou sim, mas... Paul...
— Paul está morto, e você é a próxima! — Gritou furiosa, ao mesmo tempo em que tentava se reerguer. — ME.DÊ.O.DIÁRIO!

(Continua...)

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