Lua escura - Parte 3

Senti uma extrema náusea assim que o bafo de morte invadiu meu espaço. Quase sem sucesso, tentava afastar o garoto-tubarão pondo meus braços entre nós dois. Agora estávamos caídos na calçada, ele tentando apenas me envenenar, mas ainda não havia conseguido cravar os dentes em minha pele, graças a Deus.
Por um instante, ao desviar os olhos, percebi que outro indivíduo da qual não me recordava à memória distraiam May e Tie, com sua ira praticamente visível. Só então percebi que não teria algum apoio naquele momento... Teria de aprender a me livrar daquele defunto sozinho. Deixei um de meus braços entre meu corpo e o outro ser caído sobre mim, enquanto tentava pegar alguma das duas facas com o outro.
Ouvi os gritos à minha frente: “Largue-o!”, “May, o punhal, pegue o punhal!”, “estou tentando recuperá-lo!”. Minha pele formigou. Eu precisava ajuda-los, ou seria tarde demais. Preciso me livrar de Heath...

----------- Paul:

Enfim, alcancei uma das facas negras. Com algum esforço, consegui tirá-la de meu cinto, percebendo que meu outro braço estava a ponto de ficar dormente. Não me lembro de sentir alguém tão forte a ponto de me machucar. Mas, afinal, a culpa é do Halloween.
Consegui! , Pensei, erguendo um pouco a faca e enfiando sua lâmina de trinta centímetros na nuca do garoto morto. O mesmo lugar em que ele havia sido atingido há algumas semanas para conhecer a própria morte. Após alguns segundos joguei o corpo sem vida ao meu lado e observei-o desintegrar em uma luz enegrecida.
Levantei-me a tempo de ver May e Tie acabarem com três daqueles seres, que também desapareceram em uma luz negra. Os dois se puseram rapidamente ao meu lado, ofegantes assim como eu.
—Você está bem? — Perguntou-me a bruxa, ainda com o punhal na mão.
—Sim, e vocês?
—Precisamos sair daqui... — Rosnou Tie, também segurando sua arma. Só então me dei conta de que deveria segurar minha outra faca também, e assim a fiz. — Temos que nos esconder Paul!
— Eles nos encontrarão se nós nos mantermos parados em um lugar fixo, e então ficaremos cercados.
— E o que sugere? — Perguntou May.
— Vamos continuar fugindo, temos que encontrar os outros!
— Que outros? — A voz surgiu atrás de nós seguida por um riso maléfico.
Lentamente, nos viramos. Estávamos com medo de ver o que nos esperava, e com razão. E lá estava ela: A dama das aranhas. A mesma que o homem misterioso de aura branca havia matado para nós, na velha mansão.
Erguendo uma de suas mãos, a mulher trouxe a vida alguém que proporcionava realmente medo a nos três. Senti May repreender um grito assim que percebeu o que a dama estava fazendo, e Tie deu um passo atrás, parecendo ter ficado sem ar por um instante.
E então, a apenas alguns muitos poucos metros de distância, ele gritava de fúria. Pegou um grande machado prateado de seu cinto e gritou, o que realmente abalou nossos espíritos.
— Occ... Occino... — Conseguiu dizer May, antes de ter uma rápida paralisia.
— Eu gostaria de poder brincar com vocês... Mas preciso rever um velho amigo e seu pequeno tigre... — Um sorriso de prazer tomou a mulher, que logo voltou à realidade. — Occino, acabe com eles! — Gritou, antes de desaparecer em uma fumaça quase invisível.
O gigante começou a vir em nossa direção, com o temível machado em suas mãos, quando algo inusitado aconteceu: Uma espécie de ave desceu dos céus e perfurou um dos olhos do monstro, que deixou a arma cair no asfalto, o que chamou a atenção dos moradores. Enfim, eles pareceram perceber que havia algo de errado, e todos começaram a correr.
A rua se tornou um caos! Mães pegando seus filhos fantasiados e se enfiando no meio da multidão que tentava fugir; Motoqueiros buscando suas motos e as usando para ter alguma vantagem na fuga, já que havia muita gente correndo para se usar algo grande como um carro. Até alguns policiais que ali havia tentavam atirar sem êxito no espírito mercenário, mas logo entraram em pânico e resolveram fugir com o resto dos desesperados. Em maio ao caos, uma das casas começou a pegar fogo, e o mesmo tentava se espalhar pelas demais moradias.
A ave novamente desceu até o gigante, mas agora não havia conseguido provocar nenhum ferimento. Só então percebi porque era tão difícil vê-la voar: Ela era negra. De um negro tão intenso quanto a noite, e agora vinha em nossa direção rapidamente.
—Sturk! — Gritou May, e então percebi que era verdade.
Meu coração disparou. Era como ter uma grande parte da minha vida de volta em meus braços. Há muito tempo que minha família se resumia a este fiel pássaro que agora pousara em meu braço e que eu acariciava com felicidade suficiente para acender todas as lâmpadas de Boston. O tempo parou por alguns segundos, mas então a realidade me puxou de volta quando Sturk levantou voo e, mais uma vez, tentou causar algum dano ao grande espírito materializado.
Sturk voava de um lado para o outro. O que não machucava quase nada no monstro, mas o deixava desnorteado... E cada vez mais irritado. O pássaro quase foi atingido uma vez, mas então dois outros animais apareceram correndo pela rua, também rodeando o gigante. Agora eram Sturk, Thor, e Owllie nos ajudando a ganhar tempo. De qualquer forma, ambos estavam sem seus divinos poderes.
—Precisamos sair daqui, com certeza outros materializados já sentiram nossa presença! — Sussurrei para os outros, mesmo não querendo deixar minha aura com esse horrível monstrengo.
—Precisamos encontrar Micka e os outros! — Sugeriu-me May, que parecia ter recuperado os sentidos.
Tie, de repente, pousou a mão sobre a cabeça e fechou os olhos. Parecia estar sentindo algum tipo de dor, talvez enjoo, pois teria caído se eu e May não tivéssemos sido mais rápidos. Assim que abriu os olhos, percebi o que estava havendo. Lembro-me bem dessa dupla na minha geração, e só agora havia percebido que Tie fazia parte da nova dupla de mensageiros.
—Inna está falando comigo... — Confessou, um pouco mais ofegante que a três minutos atrás. Os mensageiros não perdem seus poderes de contato no Halloween, mas sentem uma dor mais forte a cada vez que a usam. Ainda mais esses dois, completamente destreinados. — Paula está com ela e Micka com sua mãe e Isa, as cinco acabaram de ver a multidão que saiu correndo desta rua.
—Diga a elas que corram para qualquer lado, e que se separem em duplas, assim seu cheiro ficará mais fraco aos materializados.
Observei o garoto quase desmaiar mais algumas vezes, e um pequeno corte se abriu sozinho em seu braço, por onde escaparam algumas poucas gotas de sangue. Após algum tempo, ele havia voltado a si.
—Micka e Inna estão indo para a escola, enquanto Paula, Jeniffer e Isa vão voltar até a casa de uma das duas para pegarem algo que lhes sirva como armas. — Tie enfim notou o corte em seu braço, mas expliquei rapidamente o porquê de ele estar ali.
—Vamos sair daqui, estamos parados há muito tempo...
—O diário! — gritou May, assustando a mim e o outro garoto. — Alguém na multidão pegou o diário da minha mão! Eu não havia percebido... Mas... Eu preciso daquele diário! Eu tenho que... Eu preciso... AMY! — de repente a garota mudou de um estado assustado e nauseado à um completamente raivoso e decidido. —EU VOU MATAR AQUELA DESGRAÇADA!
—Não foi Amy quem roubou o diário! — afirmou outra curiosa voz. E, esta, eu reconheceria em qualquer lugar. Assim que me dei conta, a senhora já estava abraçando May, que não compreendia absolutamente nada.
—Senti tanto a sua falta... Mas... Você cresceu tanto... — Madellyne agarrava com força sua neta, e as lágrimas rolavam por suas maçãs bem definidas do rosto. — Se eu pudesse estar protegendo você todos os dias... Se eu não tivesse... Se eu...
—Vovó... — May, então, percebeu quem era aquela mulher que sentia tanto afeto por ela. Ela não conheceu aquela mulher, mas sentia quem era. — Não se culpe. A senhora conseguiu me proteger, vovó. Eu estou aqui agora, viva, saudável. Talvez um pouco atordoada e confusa com tudo, mas estou bem!
—Ah, graças a Deus... — a mulher desfez o abraço, passando mais algum tempo com as mãos no rosto da garota.
—Uma geração inteira se passou, e a velha continua me ignorando... — Brinquei, estampando um sorriso no rosto. Ver aquela senhora bem na minha frente, depois de tanto tempo, não podia me fazer deixar de pensar em sua linda filha...
—Oh, Paul, querido! — Madellyne correu para mais um abraço, e então senti um arrepio na nuca. Suas mãos continuavam macias e quentes, como as de uma avó apegada a sua família. Seu cheiro, de hortelã, continuava tão relaxante como anos atrás. Aquela ali, que me abraçava, era a mesma jovem valente e caridosa que, há tanto tempo, havia salvado minha vida tantas vezes. Só então percebi o papel de Jennifer em toda essa história. Assim como Madellyne era na minha época, a mãe de Micka havia, sutilmente, recebido o brilhante papel de protetora desta nova geração. — vejo que tem uma leve tendência a herdeiras Crommwell... — Disse, com um sorriso que me deixou completamente vermelho de vergonha. — Acalmem-se, estou apenas brincando. E você... — Disse, apontando o indicador para Tie. — É um dos mensageiros... Bom, desejo-lhe muita sorte, vai precisar...
Observei Tie gelar como um picolé de coco. Sem dúvida, o destino reservaria algo péssimo para sua vida. Afinal, todo poder gera um custo. Eu sei bem disso... Era um dos mensageiros de minha geração.
—Precisamos sair daqui! — Voltei a dizer, chamando a atenção das três figuras a minha frente.
— Sem dúvida, — Concordou a avó de May. —Eu preciso encontrar a bruxa dos aracnídeos, ela é uma das punidas que voltou sem permissão pelo portal. Por isso estou aqui, para completar esta missão. Mas, May, não desista! Amy não pode pegar o diário de forma alguma, entendeu? Ela pode ter uma aura roxa, mas seu espírito é tão negro quanto a magia de Marianne. Guarde-o com você sempre!
A mulher entregou o livro para sua neta, que implorava para que sua morta avó ficasse com ela até o fim da noite. Tempo perdido: a senhora já havia desaparecido, deixando para trás um pouco de sua fumaça rosada que logo se desfez no ar.
— Não podemos deixar Occino por aí! —Disse Tie, fazendo-me virar para olhar o gigante mais uma vez, cercado pelos quatro animais que tentavam deixa-lo tonto. — Espere... Aquele é o gato... Aquele é Burnstein!
E era verdade. O gato preto agora estava aliado às demais mascotes, correndo e saltando de um lado para o outro, atrasando e até distraindo o tal monstro mercenário. Isso só deve querer dizer que Marianne deveria estar por perto.
—VAMOS! — Gritou May, apontando para duas cabeças que, por meio de algo que parecia um buraco negro no terreno de uma das casas, saíam de baixo da terra.
Assenti para os outros dois, simbolizando que deveríamos correr. E então o fizemos. Não paramos por muitas quadras, ambas completamente vazias e gélidas, até que vimos um casal com seu filho fugindo de um materializado adulto, com muitos músculos e uma roupa esfarrapada. Tinha a cabeça raspada e muitas tatuagens. Soubemos que era um materializado apenas pela arcada dentária reluzente à luz prateada da lua, que parecia segui-lo.
Tie e May prepararam seus punhais, e eu segurei firme meu par de facas. Assoviei, sempre com cuidado para não chamar atenção demais, e observei enquanto o ser voltou o olhar verde escuro para nós e passou mudou sua rota, correndo em nossa direção. Não consegui esperar: Assim que ele estava a apenas cinco passos de nós, me joguei em cima dele, com as facas erguidas, perfurando sua testa e seu peito. Esperei que caísse sem vida no chão e peguei as facas de volta. Estas que eu limpava na minha camisa negra (e, agora, com manchas vermelhas inclusive em suas longas mangas). Pensei em ironizar um pouco, me gabando com meus dois amigos pelo meu desempenho, mas eles travavam sua própria batalha.
May, que prendera seu diário na parte de trás do cinto (após aperta-lo mais um pouco), brigava com dois dos materializados, enquanto outro, uma mulher de olhos negros e aparência de uma madame metida de Nova York, prendia Tie no chão, tentando mordê-lo. Mas, sua faca estava em sua mão, porque não atacava? Porque não... Ah, meu pai, não consigo acreditar.
Assim que percebi que o garoto não tentaria matar a mulher, cravei minhas duas facas nas costas dela, que caiu molenga em cima de Tie. Após recuperar minhas armas, chutei o corpo para a direita e ofereci a mão para que Tie se levantasse.
—Amigo, não existe cavalheirismo com essas coisas! — Disse a ele, que abaixou a cabeça, envergonhado. — Apenas tome cuidado... Lembre-se de que não se tratam de pessoas normais. Se não mata-las, elas te matam.
— SERÁ QUE OS DOIS CAVALHEIROS REAIS PODEM ME OFERECER ALGUM SUPORTE? — May gritou tão alto que até Occino deveria ter escutado. Mas isso me despertou, e a Tie também.
Ele pegou seu punhal e o cravou rapidamente no pescoço de um dos dois homens que atacava a bruxinha, que caiu morto. O outro eu tive o prazer de cuidar: Esperei que May o paralisasse com outro daqueles seus chutes certeiros e então uni a força das duas facas negras e decepei após algum tempo, enquanto ele gemia, sua cabeça.
Ambas as figuras desapareceram em fumaça negra após pouco tempo.
— Precisamos chegar a Inna agora! — Soltou Tie, parecendo um pouco tonto. Estava óbvio que havia ocorrido outra comunicação. — Ela e Micka se prenderam na loja de conveniência do posto da esquina da escola. Do lado de fora, segundo ela, alguém com uma serra elétrica.
May me encarou, pasma, e então voltou seu olhar para Tie. Agora, lágrimas escorriam pelo rosto gelado da garota.
—Paul... Precisamos ir! — Voltou a dizer, seriamente, o garoto. Seu rosto havia recebido uma forçada pincelada de preocupação extrema.
Assenti, embora soubesse dentro de mim que não teríamos tempo suficiente para chegar ao local.

(Continua...)

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